OS NOMES DAS OUTRAS PESSOAS
A sala de espera do consultório oftalmológico estava abarrotada de gente. Sentado em uma poltrona confortável e folheando uma revista, ele esperava por sua vez. Forçava os olhos para tentar compreender as pequenas letras e via tudo embaçado, no entanto ele também não lia nada, gostava mesmo é de ver as figuras, as fotos. Ele não sabia que seria o próximo a ser atendido pelo Oftalmologista, não sabia também que havia tanta gente no mundo que tinha problemas nos olhos.
Depois de alguns minutos, a recepcionista chamou seu nome, mas ele não ouviu, estava agora compenetrado vendo a foto de uma mulher só com roupas íntimas.
A moça, toda de branco, chamou pelo nome dele mais três vezes e ele não ouviu. Os chamados da secretária acabaram com o torvelinho das conversas e todas as pessoas da sala de espera entreolharam-se para saber quem era o surdo. Ao perceberem que só ele não ouvira a moça, todos olharam para ele e para ela.
Talvez o problema nos olhos não fosse o único que ele tinha. Quem sabe ele havia até marcado consulta com o médico errado. Poderia não ter lido direito, a especialidade do médico, já que ali ao lado, também havia o consultório de uma otorrinolaringologista. Então, mesmo errado, ele havia entrado no lugar certo.
As letras metálicas colocadas no muro da frente dos consultórios eram enormes: DR. OUVÍDIO VOZES, OFTALMOLOGISTA, e logo abaixo, com o mesmo tipo de letra, estava escrito: DRA. ÍRIS CEGASTTI, OTORRINOLARINGOLOGISTA.
Vamos tentar esclarecer melhor toda esta confusão:
O sujeito não tinha lido a placa direito, ou seja, não tinha visto que marcara a consulta com o oculista, mas queria e precisava consultar a médica de ouvido, entrou no consultório do oculista pensando que era a médica do ouvido, ao lado. Se isto tivesse acontecido por engano, na verdade ele teria marcado certo, pois ele não lera a placa certa, já que era um pouco míope, e entrou no lugar certo, mas se ele queria consultar do ouvido e entrou no oculista e não escutava a recepcionista chamando pelo seu nome, o certo seria se ele tivesse ido à médica ao lado, que cuidava da audição, onde deveria ter entrando, caso tivesse a intenção de ter marcado a consulta com aquela especialista. E a médica ao lado, interessante citar aqui também, era noiva do médico onde ele estava. É tudo muito simples.
É melhor lembrar ainda, que tudo isto já aconteceu antes, pois esta era a segunda vez que ele estava ali no consultório.
- Seu Jerônimo Pinto Furtado? – chamou mais uma vez a moça, aproximando-se do homem de cabelos grisalhos que babava sobre a revista.
Ela tocou em seu braço e ele olhou assustado.
- É a vez do senhor.
- Minha? Vez? - perguntou sem compreender o que acontecia.
Ele não enxergava bem, não ouvia bem e pelo jeito ele também tinha esquecido onde estava.
O interessante era que quando ele andava pela rua ou pela praia, enxergava as mulheres bonitas perfeitamente. Já em casa, dizia para sua mulher que não via quase nada e assim escapava de ajudá-la com certos afazeres. Ele só enxergava quando lhe era cômodo.
- O Dr. Ouvídio vai atendê-lo agora! – explicou a paciente secretária, para o paciente surdo.
- Ah!
Ele não entendeu nada, porém saiu acompanhando a mocinha até a sala do médico.
- Como vai, Seu Pinto? - Falou o médico estendendo a mão para ele.
- Mais ou menos doutor, só que hoje eu vim mesmo foi consultar os olhos. Eu nem sabia que o senhor entendia de sexo também?
- Ah? - o oculista ficou por instantes com a boca aberta. Pensando se ele tinha escutado realmente o que teve a impressão de ter escutado. No entanto não se importou tanto com isso, pois apesar de ser oculista ele tinha mais clientes doidos do que os Psiquiatras.
- Vamos examiná-lo então, Seu Pin... É... Seu Furtado – o oculista esperto não quis cometer o mesmo erro.
Encaminhou o paciente até a cadeira.
- Sente-se. O senhor sentiu alguma coisa nos olhos?
- Não. Somente dores de cabeça.
- Ah!
- Às vezes dói tanto que tenho vontade de arrancar os olhos fora.
Enquanto escutava o médico lia a ficha do paciente.
- O senhor tem usado os óculos diariamente.
- Não, só às vezes. Eu não me acostumo com eles, ficam atrapalhando.
- Então é esse o problema. Se o senhor não usa, força a vista e tem as dores de cabeça – explicou o médico.
- Não tem um remédio para parar de doer?
- Está doendo agora?
- Sim. É horrível.
- E cadê os óculos?
- Estão em casa.
- Viu só, o senhor não está usando. Precisa usar!
- E o remédio?
- Não tem remédio – ele fez uma pausa - o senhor precisa usar os óculos por uma semana, se durante este tempo voltar a doer sua cabeça, o senhor volta aqui que vou lhe receitar uns remédios.
- Outra consulta doutor? Não tenho dinheiro para isto.
- Será um retorno o senhor não vai pagar nada.
- Nada?
- Não vou lhe cobrar nem a consulta de hoje.
O homem esboçou um pequeno sorriso.
- Vou falar para dona Clotilde marcar o retorno para o dia dez.
- Fala que eu não vou pagar nada.
- Pode deixar.
Enquanto o Furtado olhava os quadros na parede. O médico chamou a secretária pelo interfone. Depois pacientemente anotou na ficha do paciente o retorno e o diagnóstico: “não está usando os óculos”.
A secretária entrou. Era belíssima.
- Pois não Vidi... Dr. Ouvídio.
- Clô... Dona Clotilde, leve o Seu Furtado e marque um retorno para o dia dez às 14 horas.
- Até logo Doutor – despediu-se.
- Até.
A mocinha saiu acompanhando o homem. E retornou logo em seguida.
- Vidinho, ele disse que você não vai cobrar a consulta.
- Ele não tem nada. Só teimosia.
- Vidinho, Vidinho você me chamou de Clô perto do paciente.
- Ele nem se tocou.
- Foi mesmo! – concordou.
- Mais cuidado você também fica me chamando de Vidinho aqui no consultório alguém pode escutar e contar para a Íris. Ai nós estamos perdidos.
- Vou ter mais cuidado, amorzinho - falou ela carinhosamente.
- Dá um beijinho – pediu o Doutor com voz de criança.
- Não. Não – falou ela gesticulando seu dedo indicador. - A Dra. Íris pode ver e não gostar – debochou.
- Só um rapidinho.
- Tá bom - ela o beijou.
- Só? Que pequenino.
Ela deu outro beijo no médico.
- Agora me deixa ver o Seu Pinto – ela falou.
- Agora? - perguntou o médico.
- O homem está esperando! - Explicou a moça.
- Ah! O Seu Pinto Furtado – falou o médico entendendo.
Ela beijou a mão e soprou outro beijo para ele e saiu.
Ele fez cara de bobo e ficou pensando em seu caso amoroso com ela.
Seu Pinto Furtado foi embora cheio de expectativa de melhorar das dores de cabeça.
(...)
Uma semana se passou. Furtado pegou um táxi e pediu para que o motorista o levasse até a clínica de olhos, quando o taxista parou em um sinal fechado, uma senhora bateu na traseira do automóvel e todos foram parar na delegacia. Tudo por causa do Furtado que disse estar com dor de cabeça por causa do acidente.
Logo depois deles chegou também um senhor querendo prestar queixa sobre um furto em sua casa. Depois de tudo anotado era só esperar para falar com o delegado.
(...)
- Armando! – chamou o delegado.
- Sim.
- Chama lá o Furtado, para dar seu depoimento.
O policial chegou à sala de espera e gritou da porta:
- O Furtado pode entrar.
Como ninguém se mexeu, e o Senhor Jerônimo Pinto Furtado, que não ouvia muito bem, não atendeu, o Seu Armando Mülher, que teve um coelho branco furtado, levantou-se e seguiu o investigador até na sala de depoimentos.
- O Senhor é o Furtado? – perguntou o delegado referindo-se ao sobrenome.
- Sim senhor.
- Conta a sua versão dos fatos.
- Bem. Eu fui fazer compras e quando voltei já tinha acontecido.
- E o senhor viu de onde ela vinha.
- Ela quem, Doutor?
- A condutora do outro veículo?
- Que veículo?
- O senhor não é o Pinto Furtado? – perguntou o delegado.
- Não. Eu sou o coelho furtado - explicou. - Furtaram um pinto também? – perguntou depois.
- Não furtaram nenhum Pinto, machucaram um Pinto - esclareceu o delegado.
- Um pinto? – espantou-se o homem que teve o coelho surrupiado.
- Acho que ouve um engano, chamaram o senhor, mas era para chamar outra pessoa.
- Ah!
- Armando! - gritou o delegado chamando o investigador.
- Oi - respondeu o homem na sua frente.
- O Senhor se chama Armando?
- Sim.
O delegado fez uma cara de poucos amigos. Logo em seguida apareceu o investigador, mastigando alguma coisa.
- Leve o seu Armando aqui e me traga o Jerônimo Pinto Furtado.
O Armando acompanhou o outro Armando de volta a sala de espera.
- Jerônimo! - Gritou o investigador.
- Sou eu – falou o taxista levantando o dedo. Enquanto o outro Jerônimo ficou olhando com a boca aberta sem saber o que acontecia.
- O Doutor quer falar com você.
Ele indicou a sala para o sujeito e voltou para copa.
- O senhor é o Jerônimo Pinto Furtado? – perguntou o delegado.
- Não. Eu sou o Jerônimo Coelho Branco.
Ouve uma pausa.
- Furtaram um coelho branco do senhor também?
- Não, bateram na traseira do meu táxi.
- Certo, certo - falou o delegado - espere só um pouco. – Armando? – Gritou o delegado, todo imponente, girando a cadeira atrás da mesa.
- Sim – respondeu pouco depois o homem de quem furtaram o coelho branco.
- Armando - falou o delegado ainda olhando para o outro lado - traz aqui o Furtado.
- O furtado sou eu - explicou o Armando.
O delegado olhou assustado para o homem plantado junto ao batente da porta.
- Você? O que você quer? – Falou delegado abismado.
- O senhor me chamou – explicou o outro.
- Eu chamei o Armando que é investigador e não o Armando que foi furtado.
- O senhor não vai mandar chamar o furtado? Eu sou o que foi furtado – concluiu.
O delegado passou a mão pelo rosto, descorçoado. O investigador chegou limpando a camisa manchada de café.
- Leva estes dois – disse o delegado-, e me chama o Senhor Jerônimo Pinto Furtado, se não for muito difícil para você – ele olhou com autoridade para o funcionário que apenas balançou a cabeça positivamente.
Os três foram para a sala de espera. O policial pegou os boletins e começou a falar apontando para as pessoas ali presentes.
- O senhor é o Armando que furtaram o coelho branco?
- Sim.
- O senhor é o Jerônimo, cujo carro foi atingido por outro?
- Sou.
- O senhor ai - apontou para o Furtado –, é o Jerônimo Pinto Furtado? - Ele apenas concordou com a cabeça.
- E quem é a tal Mulher que esta aqui no B.O.? – prosseguiu o investigador.
- Eu – falou o homem que tinha sido furtado levantando a mão.
Todos olharam assustados para ele.
- Eu sou o Armando Mülher, não mulher. O meu sobrenome é Mülher, tem um trema na letra U.
Em seguida ouviu-se um barulho de descarga e uma mulher gorda saiu do banheiro.
- E quem é a senhora? - perguntou o investigador.
- Eu sou Adélia Guerra. Eu bati na traseira do táxi – disse e sorriu.
O policial ficou aliviado por ter conseguido esclarecer tudo.
- Você, – falou apontando para o Furtado – venha! O Doutor quer falar com você.
O homem de terno atrás da mesa deu uma bronca no Furtado e disse que ia arquivar tudo. Tirou da gaveta uma cartela de comprimidos tomou um e deu o outro para o Furtado que dizia estar com muita dor de cabeça por causa do acidente.
- Passa na copa e toma este comprimido que a dor de cabeça vai embora, e, você também.
O Furtado ficou feliz com o remédio que o delegado lhe deu.
(...)
- É aqui. Nós já chegamos - falou o taxista tirando o Furtado de seu sono profundo.
- Oi? Onde estamos?
- Na clínica – falou o taxista. Haviam chegado a clinica de olhos.
O homem saltou do carro. Aquele comprimido tinha lhe aliviado a dor de cabeça e fez com que ele até dormisse dentro do táxi. Ficou parado do outro lado da rua, estava em dúvidas se entrava ou não no consultório. Ele não tinha usado os óculos durante a semana toda e as dores não tinham passado. Resolveu falar para o médico que a dor continuava e ele queria um remédio. Mas o médico não era bobo e saberia que ele estava mentindo. O comprimido que o delegado lhe dera, somente aliviou um pouco a dor de cabeça.
Pensou. Pensou. E por fim resolveu entrar.
Acabou entrando no consultório da médica de ouvidos.