QUE DIA!

Nessa manhã, parece que o relógio é meu inimigo número um.

Acordei bem depois do horário normal.

O relógio da mesinha de cabeceira estava lá, rindo de mim que me esqueci de colocá-lo para despertar.

Meu marido dormindo todo encolhido por causa do ar condicionado nessa noite não roncou. Acho que foi isso. Deliberadamente Aníbal não roncou, para que eu perdesse a hora.

Se ele tivesse roncado, como normalmente faz, eu não teria perdido a hora, teria acordado na hora certa como faço todos os dias, independente do despertador.

Mas ele fez o favor de não roncar. Só pode ter sido de propósito.

Não sei por que os homens têm prazer de tornar nossas vidas um inferno de onde não temos escapatória.

Não. Não quero café. Nem sanduiche. Nem mamão, nem queijo, nem melancia.

Eu não quero comer nada.

A única coisa que eu preciso agora é que o tempo volte.

Você pode fazer isso para mim?

Não?

Então saia da frente que eu estou atrasada...

Eu não disse que o meu atraso é por sua culpa, mas se você tivesse roncado, como faz normalmente, eu não teria perdido a hora.

P-o-r f-a-v-o-r! Eu não quero abraço, eu não quero beijo.

Só quero que você saia daqui, que desocupe o banheiro porque eu preciso me maquiar.

A-n-i-b-a-l, por favor, vá tirar o carro da garagem e me deixe só.

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Diabos! Parece que tudo dá errado no dia em que nos atrasamos. Acordar tarde é o fim.

Quem foi que quebrou a ponta desse lápis delineador?

Ah! Os olhos vão assim mesmo. Basta a sombra. Prá quê delineador?

Esse batom está com o gosto horrível.

Se eu encontrasse hoje o veado que inventou que mulher só pode sair de casa se estiver maquiada eu dava-lhe uma surra que ele virava macho na hora.

O que foi que houve com esse pneu? Por que você está trocando?

Tá, tá, tá eu deixo no borracheiro.

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Quem é esse filho da puta que estacionou na minha vaga?

Finalmente.

Mas essa vaga é muito perto da cerca. Esse pessoal da favela não merece confiança. Vão arrombar meu carro.

Mas não posso levá-lo na minha bolsa. Tenho que deixar aqui mesmo.

Diabos! Cadê a bolsa?

Quem mandou você rolar para debaixo do banco, bolsa imbecil?

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Decididamente hoje não é o melhor dia da minha vida.

Acho que foi aquela maionese do almoço. Estou com uma azia que parece que tem uma ninhada de dragão brigando dentro do estômago.

Vou beber outro copo d’água e hoje não como mais nada.

Até melhor, só assim eu perco umas graminhas.

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Muito obrigada, mas eu vou pegar meu carro.

Quando vier sem ele não dispensarei a carona.

Até amanhã.

Ué! Cadê meu carro?

M-e-u d-e-u-s!

Levaram meu carro...

E agora?

Será que Aníbal pagou a prestação do seguro?

Alô, Aníbal meu amor, levaram nosso carro.

Como levaram?

R-o-u-b-a-n-d-o.

É o ladrão roubou o nosso carro.

Entendeu agora?

É... Ladrão!

Sabe o que é ladrão?

Aquela pessoa que rouba o que é dos outros!

Sim, sim, sim, ladrão.

O ladrão levou nosso carro.

Entendeu agora ou quer que eu desenhe?

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Eu vou explicar outra vez bem devagar.

Todos os dias eu venho com o meu carro, estaciono e pego a condução da fábrica onde trabalho.

No fim do expediente, eu volto na condução da fábrica até o estacionamento, pego meu carro e volto para casa.

Hoje o ladrão levou meu carro e eu preciso que o senhor me entregue o Boletim de Ocorrência para eu poder fazer a comunicação, para a seguradora, sobre o roubo do veículo.

E por que o senhor não pode me entregar esse bendito desse boletim de ocorrência agora?

Quer dizer que eu tenho que faltar ao serviço amanhã para vir buscar esse maldito papel?

Ah! Ainda bem!

Meu marido virá falar com o senhor.

A que horas o senhor acha que pode entregar o boletim?

Aníbal, o boletim só sairá amanhã depois das dez horas.

É meu amor você terá que vir pegar para poder fazer o aviso de sinistro.

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Tem dias em que tudo dá errado na vida da gente e eu feito uma idiota dentro desse estacionamento, prá quê que eu voltei aqui?

- Dona Maria, ó, seu carro tá lavadinho... Passei até cera nele.

- Como meu carro?

- Aquele carro azul, lá no canto não é da senhora?

- Ah! Meu deus! Graças a deus! Quanto lhe devo meu filho?

- É cinco real.

- Tome.

- Ôxe dona! Isso é cinquenta eu não tenho trôco não.

- Pode ficar com o trôco. Ele é seu.

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- Ué! Não tinham roubado o carro?

- Não fale nada não, por favor.

Eu estacionei numa vaga muito longe da que uso todo dia e quando cheguei que não vi o carro pensei que tinham levado.

Agora eu preciso de muito abraço, muito carinho, eu preciso de colo.

- Calma meu amor. Deixe-me tirar seus sapatos. Pronto.

Está mais calma?

Tome o lenço e enxugue essas lágrimas, foi só um mal entendido.

Isso pode acontecer com qualquer um.

Fique aí bem quietinha que eu vou buscar vinho para comemorar a volta do carro que não foi.

Tá bom. Eu prometo não contar essa história para ninguém.

Venha deite sua cabeça aqui para eu poder fazer muito cafuné em você.

Antes passe esse saco de batatinha para mim... Ai na mesa...

OFERECIMENTO:

A Clebiane e Flávio com meu agradecimento pela sugestão do tema.