O Jardim
Dia difícil, de decisões árduas e nem sempre de cores agradáveis. No início da tarde, levantei da cadeira de madeira antiga, única peça destoante do escritório recém-gerado em vidro e aço escovado. Da janela do décimo andar, olhei a cidade lá embaixo e questionei quantas pessoas estavam sentindo o mesmo que eu.
A notícia havia chegado há poucos horas e ainda não tivera tempo de recebê-la com todos os sentidos, muito menos de compreendê-la, processá-la, digeri-la antes de, finalmente, guardá-la em algum canto obscuro da minha mente juntamente com tantas outras coisas desagradáveis. Chegou assim, por e-mail. Sem pedir licença, sem se anunciar ou mesmo dar a entender que a mensagem que trazia era dolorosa, desnecessária, indesejada... Agora estava lá, pulsando na minha caixa de correio. Gritando que a partir da leitura das suas últimas letras, não haveria mais volta, nada seria como antes.
Respirei resignada, o cheiro antisséptico do piso imaculado e olhei atordoada os carros pequenos que se espremiam nas ruas abaixo. Como eles, também estavam apertados: meu coração, minha mente, minha alma...
É estranho como algumas palavras têm o dom de mudar a trajetória de uma vida em segundos. Um “sim” pode alterar relacionamentos, famílias, gerações. Um “não’ pode romper correntes, esperanças, crenças, sentimentos... Infelizmente, naquele dia, eu ganhara um “não”.
O telefone tocou me tirando do devaneio rubro por onde eu enveredava e no meio da turbulência daquele dia, me vi obrigada a continuar tomando decisões, proferindo opiniões e trabalhando como se minutos antes, não tivesse sido comunicada de que o projeto de uma vida em comum estava extinto.
Duas horas depois, deixei a sala fria, antítese completa do meu estado emocional à beira de uma erupção. Caminhei com passos firmes e um sorriso plástico no rosto, frutos de décadas de condicionamento vazio.
No meio da tarde, dirigi mecanicamente, olhando pessoas, carros, sinais, vendedores, cães de rua, ambulantes... sem enxergar nada, sem compreender coisa alguma.
No meio da tarde, cheguei na casa que me recebia, mas não me reconhecia. As salas frias me receberam vazias e cinzas. Respirei com elas o ar de solidão.
As paredes brancas me fitaram compreensivamente e no vasculhar do meu olhar, uma porta se materializou. Toquei-a em expectativa e no meio do meu estado de espírito abismal, ela se abriu e vi do lado de fora, o jardim.
A grama verde, reta bem cortada e brilhante destoava da minha mente irrequieta e sofredora. Os canteiros meticulosamente arrumados pelas mãos de um jardineiro devotado, eram uma afronta ao meu estado interno turbulento. Fique ali, parada, diante daquele espaço tão contido, tão correto e tão perfeito.
Nuvens brancas e arredondadas deslizavam pelo céu de um azul profundo. Abelhas circulavam pelas flores de várias cores e meus olhos tentavam compreender, como era possível tanta cor, quando em mim, só havia nuances de cinza.
Tirei meu sapatos e meus pés doloridos tocaram a relva. Caminhei trôpega pela grama macia e meu coração saltou. Meus braços procuraram apoio, meu olhos, algo conhecido. Não havia nada lá, exceto o jardim. Puro, limpo, claro, sereno e apaziguador. Ensaiei mais alguns passos e fui surpreendida por flores de tons azulados. Miudinhas espécies que brotavam por entre as pedras dos canteiros. Tudo imaculado, tudo simples, tudo ofertado. No canto extremo do jardim, uma sombra acolhedora me aguardava. Sentei na grama, mas logo em seguida, rendida pela tranquilidade que me era estendida, deitei. As nuvens brancas sorriram para mim e timidamente sorri de volta. Uma borboleta voou sobre mim questionando o que eu fazia no seu espaço. Sorri para ela que bateu as asas em retribuição.
O vento tocou meu rosto, meus olhos, minhas lágrimas. E depois de muito tempo naquele jardim, percebi que a vida é um ciclo. Pessoas vem e vão e delas, o que fica, é apenas o tanto que amamos e fomos amados, Quando a tarde já ia embora, vi pela primeira vez a beleza daquele jardim, então, levantei da grama, caminhei de volta para a casa vazia, acendi a luz e as paredes coloridas me saudaram animadas.
Foto: Marcelo Sicheroli