Irmãos

Eu não falo com meu irmão há uns 10 anos. A gente se desentendeu uma vez. Foi por causa de mulher, como sempre. Ele sempre quis casar com Ritinha, mas fui eu que casei com ela. Ele se mordia de raiva por dentro, o safado. Mulherengo do jeito que era, não podia ver rabo de saia. Ainda mais uma morena como Ritinha. Vivia atrás dela. Ela nunca me disse nada porque tinha medo que eu com raiva matasse ele. Um dia não teve como eu não saber. Ela chegou em casa com o vestido todo rasgado. Ele de porre tentou pegar ela no caminho de casa depois de sair da quermesse.

Quando eu soube sai na rua, era de noite, e fiquei procurando por ele. Demorei um tempão. Fui achar ele debaixo de um pé de jamelão perto da prefeitura. Levantei ele pela gola da camisa e perguntei se ele tinha feito aquilo com ela. Ele só fez rir. E eu só fiz dar porrada. Depois da cossa ele desmaiou. Eu ainda carreguei ele e deixei na porta da casa dele. Afinal, é meu irmão...

E a gente nunca mais se falou. Ele mudou de cidade. Ritinha morreu. Eu fiquei velho e manco. Mas aí outro dia ele apareceu aqui. Com os cabelos mais brancos que eu e com uma cicatriz no pescoço. Tava acompanhado de um rapaz, filho dele (depois se apresentou).

Eu fiquei surpreso, cumprimentei, mas não falei nada. O rapaz é que foi contando toda a história. O pai dele, meu irmão, tinha se tornado dono de umas terras lá pras bandas do Mato Grosso e uma vez foi pego numa emboscada. Ele conseguiu fugir, mas os bandidos fizeram esse corte no seu pescoço. Que ruindade!

Foi um milagre ele ter sido salvo. Não fosse uma benzedeira que tinha lá perto da fazenda, ele tinha morrido. Ele sobreviveu, mas ficou mudo. Ficou muitos dias de cama até melhorar. Ficou triste, depressivo. Depois de uns meses decidiu que queria ajeitar as coisas com o irmão e veio fazer as pazes.

Eu? Eu desculpei. Até porque passaram 10 anos. E ele era meu irmão, afinal. O engraçado é que ele não consegue falar por sinais. Ele faz uns gestos assim, mas a gente demora a entender. Então o jeito é pegar um papelzinho e escrever. Como eu não sei lê, pra mim tanto faz tanto fez. A conversa só sai se o filho dele estiver de tradutor, porque senão... Até de bem, a gente não se entende.