VER PARA NÂO CRER
VER PARA NÃO CRER
Raposo era um tipo de pessoa que poderia ser chamado de cético por natureza. Dúvidas tinha até da fé. Conheceu Janaína, assídua freqüentadora dos terreiros de candomblé do Engenho de Dentro.
Logo no primeiro encontro firmaram namoro e depois alimentaram a paixão. Jana insistia que Raposo a acompanhasse ao terreiro e ele sempre recusava.
– Eu não creio em nada disso! Dizia o namorado afirmando-se como ateu.
Após muitos convites, temendo que o seu radicalismo pudesse comprometer a relação, abriu mão da sua posição e resolveu finalmente acompanhar a namorada. No terreiro, após várias horas, resolveu sair um pouco. Quando meteu a mão na maçaneta do portão para abri-lo outra mão repousou sobre a sua.
- Suncê num pode sair agora não, só depois da hora pesada! Disse o santo veiculado ao seu cavalo, uma linda mulher de branco que soltava largas baforadas de charuto no ar. Faltavam vinte minutos para a meia noite e sendo assim Raposo só poderia deixar o local no primeiro minuto da madrugada. Ele quis argumentar: _ Eu dou azar quando minha vontade é contrariada. Por favor, deixa eu sair! – Volte, sente e espere! Ordenou a entidade e Raposo assim o fez. Sentou e passou a contar minuto a minuto o momento de deixar a curimba.
Jana estava na assistência tomando passes e do lado de fora vários guías passeavam com seus cavalos prestando consultoria espiritual às pessoas.
Zero hora em ponto. De repente um orixá saiu de um quartinho para a varanda empunhando uma espada de metal, pulava e a erguia sem parar. – lá, lá! .
Raposo, olhando o teto da varanda, observou o bocal da lâmpada vazio e a espada passando por ele, à poucos centímetros do orifício. Raposo pensou. “Se aquele bocal tiver eletricidade e a espada o adentrar, hum, não sei não”. Mal concluiu o pensamento e não é que aconteceu. A espada entrou no bocal. O cavalo e o orixá levaram uma carga de duzentos e vinte wats e ficaram agarrados. A entidade subiu rapidamente deixando o cavalo sozinho e com a língua enrolada.
- Desliguem o relógio! Gritou o Ogã. Assim feito e o eletrocutado caiu roxo e desacordado. Todas as outras entidades também subiram. Raposo desenrolou a língua da vítima, massageou-lhe o peito e ela sobreviveu. Em seguida alguém abriu o portão, todos olharam para o Raposo que entendendo tudo se retirou de fininho. Antes de cruzar o portão lhe atiraram pipoca e água benta.
Quanto a Janaína, temendo não crer mais em sua religião, preferiu nunca mais ver o Raposo que também não a procurou depois do ocorrido. FIM