O observante

Ele viu o gavião esfomeado voar da cerca para a pista onde um animal morto fedia esmagado no asfalto quente.

Quando vinha um automóvel o gavião voava para o palanque da cerca e o morto era novamente atropelado. Depois o pássaro voltava para a carniça. O observante ficou parado olhando o movimento do gavião, que fazia uma dança sobre sua comida.

Bicadas tiravam pedacinhos da carne do animal morto. Um grande achado naquele ermo, no meio do nada onde a secura e a poeira nasciam.

Concluiu que era um coelho, pelas orelhas compridas que o bicho tinha, já destroçadas, pelas muitas bicadas e pelos pneus que sobre ele passaram. Um grande coelho marrom que atravessou a estrada com descuido. Se tivesse chegado mais cedo no dia anterior, pensou o observante, o morto estaria ainda fresquinho.

Ouviu o ronco de outro automóvel descendo em grande velocidade pela estrada íngreme, fez a curva e quando chegou bem perto o gavião voou para cerca. O condutor desviou do corpo e passou ao lado. O observante pacientemente olhou para o cadáver e depois para o pássaro retornando para seu banquete e novamente se escondeu na moita onde estava. Tinha como o pássaro olhos de rapina, pequenos, ligeiros e argutos.

Outro veículo apontou lá em cima na estrada. O observante, levantando-se, olhou excitado para o veículo e depois para a pista. O automóvel quase não fazia barulho, fez a curva em velocidade e o gavião não teve tempo de voar. O condutor não freou e acabou atropelando o gavião e passando sobre os restos do coelho. Algumas penas voaram acompanhando o veículo que logo após o embate diminuiu um pouco a velocidade. O condutor apenas olhou o pássaro caído no acostamento e depois foi embora.

O observante saiu de seu esconderijo, correu para pista com suas perninhas curtas, pegou o pássaro, depois ajeitou os pedaços do coelho que estavam espalhados e voltou para o esconderijo. Colocou o gavião em um saco junto com os outros quatro e ficou esperando que outro pousasse para também ser atropelado.

Escurecia e nenhum pássaro apareceu para comer. O observante saiu do esconderijo e foi até a pista novamente. Guardou os restos do coelho em outro saco, ajeitou os dois nas costas e foi embora preparar seu jantar. Miúdo, sumiu no meio da vegetação seca. Amanhã virá mais cedo e colocará os restos do coelho mais próximo da curva para conseguir o seu almoço.

Valdecir Ravazi
Enviado por Valdecir Ravazi em 22/07/2011
Reeditado em 22/07/2011
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