UMA LÁGRIMA NEGRA
O sol declinava. No céu, faiscava-se um sombreado de dourados e vermelhos, alternando cores vibrantes. A tela azul resplandece, uma linda aquarela de tons e contornos. À longa distância, os anis se entrecruzam ao fulgor estampado e o horizonte se torna palco de um espetáculo. Cintila a natureza.
O menino assiste àquele panorama. Sentado, com as pernas junto a si e os braços a lhe acorrentar, mantém a cabeça sobre os joelhos e os olhos, no horizonte. Neste fim de tarde, a natureza ganha uma águia a lhe contemplar.
É tarde de janeiro, mas não há sinal de gotas no céu. Este era o pensamento do garoto quando deixou a janela de sua casa. A serenidade da tarde instigava-o à concentração e o panorama multicor o fez sentar e observar.
Lá de cima, o rei da luz amorna os últimos ventos do verão. Aqui em baixo, a cidade submete-se às suas vontades. A natureza circunda a todos, com a sua redoma transparente; um cristal que não quebra, e se sobrepõe sempre.
De onde está, o menino observa os passantes na cidade. Uma cidade de interior. Ruas estreitas, poucos carros. Quisera ter os raios da estrela-sol e transferir à terra o espetáculo que admirara. Os homens, apressados, não faziam pausa para olhar o grande astro a incendiar com pigmentações rubro-douradas o extenso pergaminho anil.
Dia-após-dia, uma beleza não percebida, como não se percebem os lírios que perfumam os campos. Também os pássaros na praça orquestram uma sinfonia não escutada. No entanto, a natureza circunda a todos, com o seu campo de força; um cristal que não quebra, e se sobrepõe sempre.
Agora, passa o mais belo carro da cidade. Voltam de mais um passeio, os filhos do prefeito. Uma máquina de última geração os transporta. Observam-se, ainda, os meninos do seu Joaquim da farmácia. Entram no carro do pai e vão-se. As férias chegaram.
Janeiro não há aulas. O menino, em seu primeiro dia de férias, percebe o horizonte, a cidade, os homens. Em breve, o sol dará passagem à noite e virá o silêncio dominante.
Os homens, apressados, não se encontram, permanecem numa marcha incansável a um rumo que não se define. Os homens são metrópoles de aço e concreto, perdidos em seu mecanicismo.
O garoto olha a janela de sua casa. Lá, gosta de perder-se em suas cogitações. Aquela tarde foi diferente. Não houve aula e o menino correu à igreja. A porta destrancada facilitou a subida à torre. Do alto, percebeu melhor a grandeza da natureza. Também o homem poderia ser grande.
No céu, os tecidos anis negrejaram. O garoto percebe agora pontos resplandecentes a se olhar. Neste momento, os ventos dançam suavemente e balançam os fios de seus cabelos. Sentado, com as pernas perto de si e os braços a lhe acorrentar, mantém a cabeça sobre os joelhos e os olhos, na cidade. Os homens não se encontram, permanecem numa marcha incansável.
Na base da torre, o menino sente os olhos pesarem de repente. Não há pausa. Não há silêncio. Não há mais corações humanos. E na pele macia do garoto cai uma lágrima, que cristaliza o negrume da noite. Uma lágrima que não grita, mas suavemente resplandece a essência humana.