FOGÃO DE LENHAS

No fogão de lenhas o fogo crepitava. Vivo. Em chamas ardentes. Alimentado pela lenha seca ainda com cheiro de mato. Vez ou outra era alimentado com pequenos gravetos que mãos delicadas buscavam ali mesmo no quintal. Além de cozer os alimentos, o fogão de lenhas aquecia em dias frios os cômodos da casa. Na chapa negra do fogão, uma fileira de panelas de ferro, também negras, seguiam a rotina diária de serem aquecidas pelo fogo. De dentro delas saía uma fumacinha que inundava a cozinha juntamente com um cheiro bom de comida caseira. Numa das panelas o feijão estava quase no ponto. Caldo expesso, vermelhinho. Em outra panela o arroz fervia. Sua cor destacava do negro das panelas e tinha a cor da paz que reinava naquele lar. Numa frigideira, pedaços suculentos de carne de porco eram esquentados. Mas pelo borbulhar da manteiga me pareciam mais a fritura de torresmos branquinhos, enquanto mamãe preparava uma mandioca amarelinha para acompanhamento. Talvez uma couve picada bem fininho...

O estômago roncava à medida que o cheiro de comida se infiltrava pelas narinas e alcançava o cérebro. A língua se tornava úmida quanto mais de pensava na fome e na comida que fervia nas panelas. Apenas um copo de leite espumante com café fora o desjejum de seis crianças pequenas. O leite fora tirado direto das tetas das vacas, enquanto meu pai as ordenhava, mal o sol nascera. Envolvidos em casaquinhos e pijamas de flanela xadrez íamos com os copos para o curral. Mamãe ia à frente levando uma xícara de café e um cigarro de palha para meu pai. O cigarro de palha ela mesma fizera. Esse era o ritual de todas aquelas manhãs agora tão distantes.

Depois brincávamos pelo quintal, satisfeitos. Barriguinha cheia, como bezerrinhos saciados. Seguindo a linha dos lábios uma marca branca deixada pela espuma do leite que tomara de uma só vez, já pensando nas travessuras. Na casinha de queijo, mamãe preparava os queijos do leite que fora tirado de manhã. Às vezes lavava roupa no córrego. Fazia tudo isso antes de preparar o almoço, enquanto meu pai ia para o roçado fizesse chuva ou sol. Trabalhava a terra para conseguir alimento. Era o provedor incansável daquela família.

A manhã ia alta. Até que uma fumaça que saía da chaminé e alcançava o céu anunciava que mamãe estava às voltas com o almoço. Um cheirinho bom nos tirava das brincadeiras e um por um, meio ressabiados íamos chegando à cozinha. Sentávamos no banco de madeira e ficávamos a esperar. Olhinhos atentos e brilhantes seguiam os passos de mamãe que terminava o almoço.

Um ranger na porteira do curral era sinal de que meu pai também chegara para o almoço. Estivera na lida no roçado perto do córrego. Com certeza plantava canas para fazer rapadura no ano seguinte. Ou mandioca para farinha e polvilho. Certamente estivera no roçado. Fosse na roça de milho ou arroz numa várzea bem longe, teríamos que levar seu almoço. Chegava suado, o sol castigava sua pele e a deixava ainda mais morena. Tinha um leve sorriso quando chegava ao seu lar e sentia o perfume de sossego. Um sossego quebrado pela algazarra dos filhos que vinham ao seu encontro. A esposa o recebia com um amor angelical e quase ingênuo, disfarçado na timidez de um olhar apenas, enquanto organizava os pratos esmaltados na mesa ou tirava as panelas do fogo. Comiam quase em silêncio ou entre resmungos do filho menor que teimava em comer e brincar ao mesmo tempo.

Depois do almoço meu pai voltava para o roçado e enquanto as crianças perdiam-se em seu mundo infantil, mamãe fazia remendos em alguma roupa, essas coisas de um cotidiano comum. Lá pela metade do dia mamãe voltava ao fogão de lenhas. Cuidava de preparar uma canjica com leite para a merenda. Quem sabe um arroz-doce com canela. Bolinhos de polvilho fritos na manteiga, servidos com leite morno ou chá. Vez ou outra preparava um bolo de fubá assado numa caçarola em cima da chapa. Opções não faltavam àquela que administrava tão bem seu espaço. Dedicava-se a preparar o alimento da família com a mesma dedicação que lhes dava seu amor, enquanto meu pai se ausentava o dia todo, cumprindo o desígnio de chefe da família.

Finalmente a tarde chegava e o sol descambava quase sorrateiramente para horizonte. Lentamente. Como se esperasse que a vida seguisse todos os rituais. Um ranger na porteira anunciava a volta de meu pai do roçado. Apesar do cansaço ainda ia dar milho aos porcos ou olhar algum bezerrinho recém-nascido. As feições do rosto revelavam a luta árdua. Afinal eram seis filhos que dependiam de seu suor. Mamãe chegava à janela para se certificar de sua volta. Fazia isso automaticamente, pois seu íntimo já havia lhe dito que era papai que chegara.

Depois do banho tomado tendo como chuveiro, um balde pendurado no teto e a água esquentada no fogão de lenhas, a família se reunia para o jantar na simplicidade daquela cozinha onde se desenhava o quadro mais belo: uma família. Depois do jantar papai contava alguma história se desdobrando ao cansaço e às qualidades de historiador nato. A imaginação embalava o sono das crianças. E quando a noite engolia mais um dia, terminava essa rotina tão sagrada para recomeçar no dia seguinte. Dormia-se cedo, nutridos pelo alimento - o pão-nosso de cada dia - e o amor sincero de uma família. Um amor alimentado qual o fogo do fogão de lenhas.

Sonia de Fátima Machado Silva
Enviado por Sonia de Fátima Machado Silva em 08/07/2011
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