Julgamento

Era dia de jogo. Época da Copa. Caminhava tranqüilamente pela rua, no meu caminho de volta pra casa quando fui abordado:

-O senhor não está usando uma camisa do Brasil.

-E por que deveria estar usando?- eu disse.

-Hoje é dia de jogo, meu senhor, todos nós devemos apoiar o Brasil.

-Mas eu não gosto de futebol. Não vejo porquê vestir uma camisa do Brasil.

-Meu senhor, entenda bem: estamos no Brasil, país do futebol, a nação toda está torcendo.

-A nação toda não. Eu não estou. Não vejo porquê vestir uma camisa para apoiar algo que eu não acredito. Existem milhares de outras coisas, tão interessantes quanto futebol.

-O senhor não pode falar isso. Eu terei que detê-lo!

-Mas isso é absurdo!

Mas, mesmo assim, fui detido. Levaram-me para a delegacia e me prenderam. Disseram-me que eu seria julgado em 24 horas.

Passadas duas semanas, resolveram, finalmente, me julgar. Chegando ao tribunal, vi que meus amigos e conhecidos não estavam lá. Eu estava só. Parecia que havia cometido um crime tão grande, que todas as pessoas próximas a mim estavam me renegando.

Ouvia meu advogado tentando me defender. Não prestava atenção em uma palavra do que ele falava. Parecia não estar certo se me defendia, ou se usava argumentos contra mim. Todos me olhavam como se eu fosse diferente deles, como se eu fosse lixo.

Após horas de julgamento, nas quais eu não pronunciei uma palavra, eu fui liberado, mas fui indicado a rever meus conceitos e repensar meus atos. Eu só tentava entender o que havia feito de tão errado, afinal, os políticos roubam todo o dinheiro do povo e nada acontece com eles. Por que eu fui julgado!? Não torcer pelo Brasil num mero jogo de futebol é um ato pior do que roubar em larga escala!?

Na volta pra casa,quase na hora de outro jogo do Brasil, as ruas estavam praticamente desertas, com pouquíssimos carros circulando pela rua. No caminho, vi mendigos largados pela rua, sem um sentido na vida, sem esperança. Parei para pensar em como o futebol faz essas pessoas ficarem ainda mais insignificantes dentro da sociedade.

Quase chegando em casa, vi um ônibus lotado de pessoas querendo chegar rápido em casa para o jogo e isso me fez ver que, na verdade, são apenas almas perdidas, sem futuro, inseridas dentro de um sistema. Algo que um dia fora um divertimento, se tornou uma religião, e agora, na verdade, é uma poeira, que cega a todos, escondendo deles os problemas reais e criando um circulo vicioso, onde importam apenas os interesses de uma minoria.

(Isto não é uma crítica ao esporte, mas sim ao fanatismo.)

Baltho Andarilho
Enviado por Baltho Andarilho em 03/05/2011
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