LAMPIÃO E MARIA BONITA
Apontaram no fundo da malhada, a poeira já os denunciava há algum tempo ;eram uns quarenta e trotavam sem pressa em seus cavalos , assustando os cachorros que latiam .Todos estavam paramentados com gibão,perneira e chapéu de couro, fortemente armados com carabinas e escopetas, as feições decididas e impenetráveis . Na frente um homem chamado Lampião a quem se atribuía estórias de horror e maldade ; relatos de tortura,castração de homens jovens,barbáries de todos os generos eram passados de boca a boca em voz miúda :uma vez ele mandou todo mundo dançar nu , ao som da sanfona e da zabumba, e o homem que se excitasse era castrado sumariamente;outra vez enterrou até o pescoço ,deixando-os morrer de sede e inanição, jovens de uma localidade por delação ao seu bando ;outra pendurou cabeças cortadas por todo o caminho que levava a um sítio de um informante da polícia e outras e outras notícias assombrosas surgiam dia após dia. Ao seu lado Maria Bonita, de corpo franzino e esbelto, única mulher daquele estranho e famigerado grupo .Lentamente se aproximaram do povoado de poucas casas e longe da civilização . Apearam e pediram comida e água fresca, estavam com muita fome e sede e se acamparam sob os umbuzeiros próximos,cientes da sua força e do fascínio que o mal transcende , sem fazer alarde.Todos sabiam das façanhas do bando de Lampião e obedeciam submissos .Ele e sua mulher foram convidados a se alojar na melhor casa do lugar e todos os moradores estavam com medo ,muito medo.Então se esforçavam em servir bem aos inesperados visitantes e no final da tarde ,apesar do murmurinho e da movimentação ,o medo parecia desaparecer lentamente como o por do sol.Os visitantes estavam tranquilos e conversavam bastante entre si ,sem incomodar .A única exigência que fizeram foi que ninguém saísse do pequeno povoado, na verdade, uma fazenda com um pouco mais de meia dúzia de casas. Maria Bonita ,que não era tanto, mas se destacava pelo carisma e pela energia se mostrava bastante gentil , era a que mais falava pelo grupo ,uma espécie de porta voz.À noite, Lampião conversava com o seu anfitrião cercado por jagunços e moradores locais , estes prontos para servi-lo ao menor gesto e aqueles relaxados em seu poder e no cansaço ,enquanto o "rei do cangaço " procurava saber das volantes e da política e se agarrava e balançava o único rádio do local, para melhorar a sintonia e diminuir os chiados do aparelho.Mas logo depois,cansado de tentar ouvir as notícias , ordenou que todos fossem dormir e que apagassem todos os candeeiros e que todos permanecessem em suas casas .Logo cedinho , Maria Bonita mandou matar uma rês gorda que pastava no local , sem pergunatar de quem era e mandou fazer carne de sol e tomaram café com sarapatel do fígado do animal ,preparado pelas senhoras da comunidade.
Antes de irem embora, o sol já alto e quente,carregaram de água fresca os alforjes de couro;Maria Bonita ainda cuidou de angariar uns poucos mantimentos entre os moradores os quais foram colocados junto com a carne de sol ainda pingando salmora , nas cangalhas dos jumentos surrupiados nas proximidades.Lampião se despediu do seu hospedeiro e pediu o rádio encaixando-o embaixo do sovaco, dizendo que ia conseguir pilhas novas em Juazeiro .Saíram lentamente,num silêncio épico, sem olhar para trás, sob os olhares ainda atônitos e aliviados do povoadozinho.