Ambição, Cobiça e Inveja

Ambição, Cobiça e Inveja

por Pedro Moreno (http://www.pedromoreno.com.br)

Ambição

Vanessa está com seus quarenta e poucos. É uma mulher atraente, sempre cuidou de seu corpo e não sai de casa sem maquiagem. Não gosta de cabelo preso, prefere investir em feminilidade. Trabalha como funcionária pública em um escritório com mais três mulheres: Sandra, Regina e Maria. São colegas de trabalho há pelo menos três anos.

Sandra é a mais nova de todas, seus cabelos ruivos beijam sua nuca, sempre presos por um coque no alto da cabeça. No alto de seus 19 anos, se veste como menina romântica e mantém um namorado que só consegue ver em feriados e finais de semana, as outras mulheres dizem que Sandra instintivamente abaixa sua cabeça toda vez que passa pela porta para não enroscar seus chifres depositados por seu namorado. Menina de gestos delicados e voz macia, ela encanta todos que a veêm.

Regina é mulher fatal. Salto alto sim e decote sempre. Ano passado colocou silicone e fisgou um noivo rico com casa em Angra dos Reis e Jet Ski. É consumidora de artigos eróticos e roupas de couro justas. Apesar de ter nascido morena, não resta foto dela com seus cabelos pretos originais, agora só o loiro quase branco que impera no alto de sua cabeça. Pela frente é chamada de Regininha, pelas costas de vaquinha, depois do silicone as pessoas preferem o termo vaquinha leiteira, o porteiro do prédio ainda não se acostumou com os novos seios de Regina e se assusta toda vez que vê.

Maria é casada. Em muitas culturas isso já definiria tudo. Mas Maria é mais que isso, chegou ao auge de sua profissão é hoje é gerente de departamento, tem dois filhos maravilhosos que lhe mandam cartões nos dias das mães e um marido honesto e atencioso. As outras mulheres a definem como tirana e insensível.

E por fim nossa querida Vanessa.

Não há muito que falar sobre ela. As outras mulheres dizem que Vanessa continuará solteirona até o final de seus dias. Hoje, no seu aniversário de quarenta e cinco anos ela realiza que talvez seja verdade.

As outras mulheres trazem um bolo surpresa de alguma cobertura glacê de gosto duvidoso, depois de cortado e distribuído, a rotina volta ao normal. Vanessa levanta de súbito de sua cadeira e corre para o banheiro, as habilidades sociais de Maria conseguem captar uma lágrima fugitiva do rosto de sua companheira de trabalho, a chefe observa suas colegas e percebe que é melhor enviar a otimista Sandra para conversar com Vanessa e tentar confortá-la. Algumas mulheres encaram bem o passar do tempo, outras nem tanto.

Sandra logo se dirige ao banheiro, ao abrir a porta ouve um choramingar doído, Vanessa escorada na pia deixa as lágrimas rolarem.

– Poxa Vanessa, por que está chorando?

– Acho que é a idade vindo. Não sei se estou preparada.

– Calma. Você ainda é jovem e bonita! Aliás nem parece que fez quarenta e cinco.

Uma lágrima desce pelo rosto de Vanessa, Sandra a enxuga com um papel e sorri. As duas voltam juntas para o escritório, Sandra com a certeza de dever cumprido.

Vanessa senta em sua mesa e observa Sandra. Sua pele alva sem nenhuma ruga. Seus cabelos ruivos são tão lindos que o cabeleireiro dela deve ficar até chateado de cortar. Não é a toa que tem um namorado, com tanta beleza fica fácil conseguir um. O ramal dela toca. Falando em namorado eis que ele liga. Vanessa suspira pensando que poderia ter um também, alguém com quem dividir seus problemas e seus sucessos. Uma paixão juvenil para andar de mãos atadas e olhos vendados. Passear no parque, andar na roda-gigante. Amar e ser amada.

Hoje Vanessa sairá. Irá para algum bar em busca do seu. Isto é um fato.

Com a noite que se aproxima, Vanessa veste sua melhor roupa e usa seu melhor perfume, se olha no espelho e gosta do resultado. A área de caça é um bar sertanejo que abriga a juventude country da cidade. Sucesso é um tal de “sertanejo universitário”, que Vanessa desconhece totalmente o que pode ser.

Logo que chega se depara com um tipo masculino de calça jeans apertada e chapéu escuro. Sua camisa xadrez aberta até o centro do peito ostenta um terço envolto em seu pescoço. Ela sorri involuntariamente quando o vê. Ele retribui. Logo os dois estão se amando atrás no bar em um beco escuro. A barba por fazer roça no pescoço da bela Vanessa e essa solta um gemido um pouco contido. Quando ele acerta a mão em sua bunda ela desisti de fingir e se entrega. Depois de um orgasmo intenso os dois tentam arrumar suas roupas de modo satisfatório. Ela termina com sua roupa e estende a mão para ele.

– Você não vem? – pergunta Vanessa

– Eu já vou... Pode ir na frente.

Ela permanece parada em frente ao homem rústico enquanto esse tenta se vestir da maneira mais lenta possível. Ela percebe, ele não a quer mais.

– Eu achei que iríamos namorar – diz ela infantilmente.

– Olha, você é uma pessoa legal, bonita, mas é um pouco velha para mim, desculpe.

Os olhos de Vanessa se enchem de lágrimas, a mulher vira seu corpo em direção a saída do beco e tropeça em uma garrafa quebrada. Ela não mais irá chorar. Empunhando sua arma pelo gargalo, ela salta em direção ao caubói e deslancha diversos golpes contra seu pescoço. A garganta rasga e vomita o sangue no chão, logo o rosto do rapaz está desfigurado. Vanessa para de atacar quando percebe que ele está morto faz tempo, larga a garrafa e corre e direção ao seu carro.

Cobiça

Vanessa não está bem. A culpa lhe corrói. Ela só queria um namorado e conseguiu um assassinato. Não é possível ser que nem Sandra, ela não tem mais a idade para ficar com namoricos. É preciso aceitar a realidade.

No meio do expediente surge o noivo de Regina, um homem de braços fortes e e jeito másculo. Pendurado em sua calça as chaves da BMW e um certo volume que faria muitos homens ficarem com inveja. Regininha levanta para beijá-lo e ele aproveita para passar a mão pelos volumosos glúteos dela. Vanessa se sente corar pela cena, não por vergonha, mas por excitação.

O desejo cresce em seu corpo. Ela quer aquele homem. Não quer mais qualquer um, tem que ser aquele. Bem barbeado com cheiro de perfume importado e olhos azuis. Um nobre cavaleiro de tempos modernos, vindo com sua BMW branca pegar a princesa.

Infelizmente a princesa não é Vanessa.

A nobre é uma sirigaita plastificada conhecida por seus dotes eróticos com qualquer coisa que se mova. Regina certa vez “traçou” um departamento inteiro, sendo que três deles foram em uma só noite e ao mesmo tempo.

O noivo pergunta onde ficam os sanitários. É a chance dela. Vanessa sai do escritório e entra no banheiro masculino. Lá está ele. O homem se assusta porém não tem chance de reagir com aquela mulher fogosa lhe apalpando suas partes íntimas e o beijando com sofreguidão. Ele a segura um pouco distante e a encara.

– Aqui não. Te pego hoje a noite.

Com essas simples palavras ele sorri e sai.

Mal Vanessa consegue aguentar de ansiedade. Mas antes é preciso estudar a inimiga. Seus seios não são tão grandes quanto os de Regina, vai ser preciso ela se vestir de maneira mais audaciosa se quiser conquistá-lo. Quando chega em casa, ela procura algo entre suas roupas e encontra uma fantasia de colegial que ela usou quando tinha 16 anos, ainda serve mas não cobre muita coisa deixando seu corpo bem exposto. Perfeito para a ocasião.

A campainha toca. É ele. O rapaz nem tem tempo para pensar direito, é agarrado por Vanessa que começa tirar sua roupa em um frenesi arrebatador, logo estão os dois enrolados em um lençol da cama exauridos.

Vanessa sorri. Ela abraça aquele homem enorme e beija seu tórax nu.

– Nossa, você é maravilhoso. Já contou para Regina sobre nós.

– É claro que não. Você está louca?

– Desculpa... Eu pensei que você iria deixá-la.

Vanessa não mais sorri. Ela sente uma lágrima a lhe molhar os olhos. Ela se levanta antes de chorar e segue até a cozinha. Uma faca de cortar carne afiada. Ela segue com a lâmina escondida atrás de suas costas, senta sobre seu príncipe encantado e no meio do coito, pouco antes dele sentir seu prazer derradeiro, Vanessa o esfaqueia no peito uma dezena de vezes. Quando termina ela observa o corpo morto de seu homem.

Inveja

Regina não veio trabalhar hoje, seu noivo foi achado boiando no rio Tietê. O clima no escritório não está bom. Quando isso ocorre o marido de Maria vem visitá-la junto com as crianças para almoçarem juntos. O homem é um marido dedicado, bom pai e excelente profissional. Com seus quarenta e poucos anos, ele mantém uma rotina de exercícios para se manter em forma, seu semblante transparece experiência e virilidade.

Vanessa sentiu que era aquele homem perfeito para ela. Até então ela só tentara homens mais novos, ela precisava de um marido que também fosse amigo e companheiro. Não alguém que a usasse e depois descartasse igual trapo velho. No fundo Vanessa quer ser mãe. Sua idade avança, logo seu útero será apenas um acessório inútil, uma lembrança ruim de todo seu potencial gasto com pílulas anticoncepcionais.

Eles saíram para almoçar. Sandra saiu mais cedo para ir ao dentista. O escritório ficou vazio igual ao coração de Vanessa. Um ruído na porta e logo aparece o marido.

– Acho que Maria esqueceu sua bolsa.

Ele entra no escritório e encontra o objeto procurado, quando se vira para sair encontra Vanessa parada no batente, nua.

– Por favor, eu quero um filho seu!

O homem se assusta, tira seu casaco e cobre a nudez de Vanessa, ainda encabulado, ele a retira do caminho e ganha o corredor.

Vanessa senta no chão. Ela tomara uma decisão de nunca mais chorar, mas está cada vez mais difícil, sua respiração fica acelerada, seu coração bate forte enquanto as mãos fecham em punhos. Seu desejo assassínio tenta se manifestar mais uma vez.

Maria janta com seu marido que nada diz sobre o ocorrido, é melhor esperar outra hora para contar. Quando acabam com o almoço, Maria segue com seu esposo e os filhos de volta para o escritório, porém quando chega percebe diversos papéis no chão e cheiro de álcool no ar, há algo errado. Os arquivos foram abertos e suas pastas espalhadas pelo chão, as mesas estão tombadas tornando o lugar uma cena de passagem de furacão.

O casal avança em direção ao cubículo onde fica maria e a situação não é diferente. Quando voltam encontram Vanessa parada no batente com um galão vazio em uma mão e uma caixa de fósforo na outra. Maria logo percebe nos olhos de sua colega o que ela pretende fazer.

– Vanessa, fique calma você não precisa fazer isso.

– Preciso Maria. Talvez você não precise, afinal tem um marido maravilhoso e é mãe... Eu não tenho nada além desse emprego ridículo, os homens só me usam...

– O que você quer Vanessa, nós podemos conseguir.

– Eu quero seu marido.

Todos ficam em silêncio por alguns segundos.

– Eu sei que você não vai me dar seu marido – diz Vanessa – não sou tonta. Se eu não posso tê-lo, ninguém mais terá. Inclusive você Maria.

Vanessa risca o fósforo e o deixa cair.

Os bombeiros chegam rápido, mas não o suficiente para salvar o casal. Os corpos carbonizados ficaram grudados no chão e tiveram que ser raspados, o cheiro horrível empesteou o prédio inteiro. Vanessa permaneceu sentada em frente ao incêndio que causara com a caixa de fósforo na mão. Foi calmamente levada pela polícia.

Vanessa deixa uma lágrima rolar pelo rosto.