Mina de Ouro

A notícia se alastrou pela turma como fogo num rastro de pólvora que leva até dezenas de barris recheados do perigoso e inflamável pó cinzento. E explodiu tudo pelos ares quando chegou aos ouvidos e bocas das meninas que compõem a galera:

- Você viu que o Vandinho tá namorando?

Tamanho espanto tem motivo. Em todos os anos de faculdade e pares de anos mal pagos como recém-formados, Alessandro Couto Medeiros, o Vandinho, nunca foi de se deixar enlaçar pelo cinema de domingo e a garantia de pés quentinhos debaixo de edredons. O apelido, uma homenagem ao sedutor cantor Wando, traduzia sua fama de conquistador irreversível e completamente avesso a qualquer simulação de matrimônio que evitasse seus lábios de experimentar o gosto de vários.

Mas dessa vez era diferente. Vandinho mudara. Dizia ter encontrado a menina certa, que no seu palco agora só suas calcinhas lhe bastavam serem lançadas. Dani. Tinha nome de mulher gostosa - e realmente era. Olhos claros, corpo escultural, cabelos lisos e morenos sempre empurrados para trás acompanhando um arrebatador sorriso.

As meninas parabenizam o jovem namorador. Davam gritinhos quando ele confirmava a notícia, saltitavam e em seguida abraçavam o amigo, combinando mesas para 4 em restaurantes japoneses e feriados em Monte Verde.

Para os camaradas, a notícia nos primeiros dias foi completamente devastadora. Clima de Copa do Mundo perdida, de total desconsolo. O porto seguro da solterice, a referência, o último dos moicanos e telefones para se ligar em caso de término súbito, agora perdido para um par de seios e mini-saias.

Mas o choro foi logo engolido com cervejas e a simpatia de Dani e suas amigas: lindas, tesudas e disponíveis amigas. E para a alegria da turma, Dani era um craque. Como um meio-campista a distribuir passes milimétricos à destranbelhados centro-avantes, a senhora Vandinho tinha o dom de apresentar todas suas beldades com uma piscadela e um “vai que é tua, Taffarel”. Era escolher, e Dani armava a jogada para o mais belo dos gols de placa.

Não tardou para após o primeiro bar de apresentação à Dani e suas amigas, o compromissado Humberto jogar seu anel prateado ralo abaixo e voltar do banheiro terminado – e sorridente. E ele foi o primeiro de muitos. Solteiros, enrolados e namorados, todos os amigos concordavam com uma coisa: Vandinho havia encontrado uma verdadeira mina de ouro.

Vandinho estava cada dia mais feliz, encantado com as delícias do amor. Sorria pela rua, cantarolava no trânsito das 6 e meia, aumentava o volume do rádio quando tocava o tema da novela das 8. Dani lhe fazia bem, e o melhor: reservava um pouco de seu encanto aos seus amigos, apresentando – daquele seu jeito - novas lindíssimas amigas a cada fim de semana. Como na anual a viagem de verão, quando levou simpáticas colegas que trabalhavam no árduo mercado de modelos de biquini.

Tudo era alegria na turma, com todos se sentindo com peles feitas de favos de mel, no topo do seu jogo, chovendo em hortas que logo virariam plantações.

Tudo perfeito, até outro gigantesco barril explodir.

Era uma quinta-feira fria e chuvosa quando o conclave fora organizado. Sentados na mesa circular e de feltro verde, a alta cúpula dos amigos de Vandinho foi convocada com urgência. Gordinho, cujo apelido era “Roberto”, foi o primeiro a falar:

- Amigos, estamos aqui para apurar e decidir sobre algo muito importante. Para nós, para o Vandinho, para nossa vida sexual.

Com um gesto largo, Gordinho estende a mão para a diagonal com os dedos colados uns aos outros, dando a palavra com um pesar de chumbo na sua voz.

- Eurico, por favor.

Atualmente saindo com duas gemêas intercambistas da Suécia, apresentandas pela meia-campista, o tímido Eurico deu a notícia com lágrimas nos olhos. Dani, a namorada mais perfeita que um amigo já havia encontrado, foi vista com outro. Mão dadas, risadinhas, beijos entre lambidas de casquinhas de sorvete... A receita para um corno completo.

- Mas você tem certeza que era ela? - Em claro desespero e com lembranças da morena que quase rancou seu lábio inferior, Danilão faz sua pergunta de leite derramado.

- Era, cara. – um longo suspiro afunda o queixo de Eurico no seu peito – Era de dia, eu estava muito perto. Perto demais... Ela me viu.

Um silêncio aterrorizante invadiu a sala. Um antigo relógio de pêndulo cortava ritmado a total ausência de som que tomava o recinto. Eurico tentou continuar, mas não encontrou palavras. A doce Dani, sempre solícita, virou amarga e chantagista. Um dia após o fatídico encontro, Eurico escutou “Não é você, nem sua dieta errada e falta de exercícios diários. Sou eu.” da personal trainer que saía.

Um claro recado que instaurava um grave dilema. A verdade libertava Vandinho de seus chifres, mas levava com eles para todo o sempre as beldades apresentadas, bem como as que viriam a deitar de cabelos soltos em suas camas.

Cerveja gelada ou o suor lambido de lindos pescoços? Viagens de carro ou o trânsito parado por quem passeia ao lado? Amizade ou o sexo mais sensacional de suas vidas?

Um sacrifício havia de ser feito.

Com dor no coração e saudades da morenassa chef de cozinha que Dani lhe apresentou, Gordinho diz seu veredito:

- Temos que contar para o Vandinho. Tudo.

Os quatro amigos se entreolharam, e com a maior das forças de vontade, consentiram. Pela amizade, pela camaradagem, pelo amor fraternal ao irmão corneado.

Eurico ficou de engolir o choro e ligar para Vandinho, contando tudo. Tomou fôlego e começou a discar entre fungadas nasaladas. Logo antes de levar o aparelho ao ouvido, o celular explode com o apito de uma mensagem:

Oie! Preciso de um favorzão. 4 amigas vieram direto de Floripa para uma sessão de fotos e não tem onde ficar, acredita? =P Falei bem demais de vc e os meninos. Vcs podem recebê-las? É só por uns dias...

Iluminados pela pequena tela quadrangular, os quatro amigos se entreolharam.