Bicho de Pé

Zé de Berenice vinha com seus amigos pela estrada depois de jogarem bola. No caminho, escolhiam um alvo mais adiante, e cada um tinha de chutar a bola para acertá-lo. Na vez dele, o alvo escolhido era uma pedra. Chutou, acertou, mas a bola quicou e caiu dentro do quintal de Seu Chico Porqueiro, criador de porcos. A sorte é que não havia mais porcos por ali, eles tinham sido vendidos na semana anterior. O azar é que havia chovido um pouco, e o quintal estava enlameado com terra misturada com esterco. Pisando cuidadosamente, Zé conseguiu recuperar a bola, depois de ter pulado o muro de pedras.

- Eca! Que fedor de porco! – Disse um dos colegas, depois que ele voltou.

- Tava cheio de lama com esterco. Vamos achar uma poça d’água para lavar. Também preciso lavar os pés. Estou fedendo a chiqueiro!

Logo à frente encontraram uma pequena poça d’água limpa em uma laje.

Uma semana depois, Zé de Berenice e os amigos estavam reunidos na praça, esperando um colega que chegaria com a bola. Iriam se divertir no campinho perto da escola. Zé estava irrequieto, toda hora coçando o pé.

- Que foi Zé? Que coceira é essa no pé?

- Desde ontem está uma coceira danada. Começou gostosa, mas agora está demais. Não agüento de tanta coceira. Deve ser algum bicho de pé…

Tirou o calçado e olhou. Na sola do pé e nos artelhos havia alguns pontinhos pretos.

- É mesmo bicho de pé! E não é um só… – disse um dos amigos.

Algumas meninas passavam por ali e ouviram a conversa. Uma delas, mais criativa, logo criou uma rima e passou para as demais. Depois foi uma gozação só:

“Zé Berequeté, tira o bicho do pé, prá comer com café.”

Alguns amigos riram, constrangidos. A rima realmente era engraçada, mas Zé não estava nada contente com a mangação. Porém não podiam fazer nada, pois somente meninos covardes é que brigavam com meninas, e eles não eram covardes. O Doutor Manoel passava por ali e ficou curioso.

Foi ver o que estava acontecendo. Examinou o pé de Zé e constatou:

- Nossa, menino! Você tem uma bela coleção de bichos de pé. Andou brincando num chiqueiro?

- Não senhor. Semana passada fui buscar uma bola no quintal de Seu Chico Porqueiro…

- Venha comigo. Vamos dar um jeito nisso.

E foram até a casa do Doutor Manoel, que era ali perto. Lá, os bichos foram todos retirados, e o Doutor fez os curativos necessários.

- Vê se não suja muito o pé, pode inflamar os ferimentos.

Zé agradeceu, e retornou à praça.

- O Doutor Manoel tirou os bichos e curou meu pé, mas agora não vou poder jogar bola. Vão na frente, depois eu vou lá ver.

Os amigos se foram, hesitantes. Zé ficou sozinho sentado num banco da praça, pensando na vida. Nisso uma menina aproximou-se.

- Zé, não fique chateado com a mangação das meninas. Era só brincadeira. Eu também já peguei bicho de pé, sei como é chato. Venha, vamos tomar picolé, eu pago o seu. – E ofereceu-lhe a mão.

Zé sorriu. Levantou-se, e de mãos dadas foram caminhando em direção à venda de Zé de Zaca. No caminho, refletia: “Até que o dia hoje não foi perdido. Me livrei dos bichos de pé, ganhei um tratamento de graça com o Doutor Manoel, e ainda por cima vou tomar picolé com uma menina. E de mãos dadas! E essa mãozinha, provoca uma coceirinha danada de gostosa, mais gostosa do que a coceira do bicho de pé…”