NA MESMA MOEDA

NA MESMA MOEDA

Eles estavam casados há pouco mais de cinco anos. Conheceram-se na faculdade e namoraram praticamente durante todo o decorrer dos respectivos cursos: ele, no de economia e ela preparou-se para ser professora. Durante os dois primeiros anos do casamento, coincidentemente, até o nascimento da única filha, viviam uma relação plena de amor e satisfação mútua, situação que os românticos classificam como viver um para o outro achando que são almas gêmeas em amor infinito.

Logo após o nascimento da filha muito esperada, que chamaram de Karina, o banco em que o Oscar trabalhava como gerente iniciou processo de fusão com outra instituição e, por conta disso, demitiu vários empregados, entre eles o adorado marido de Verônica. Para ele, a princípio, confiante na sua capacidade, a exoneração serviu como meio de tentar modificar o padrão profissional, considerando que não estava satisfeito com o tipo de organização que se estabeleceu na empresa após a troca da diretoria, que resultou em desmotivação tanto profissional quanto pessoal. Mas a boa situação financeira que o cargo proporcionava, fazia prevalecer o aspecto econômico em detrimento da satisfação profissional e pessoal. Assim, apesar da desmotivação, suportou até o desfecho, o incômodo do ambiente desagradável.

A certeza de que sua capacidade e conhecimento no seu âmbito profissional garantiriam um novo emprego em curto prazo foi se transformando em preocupação, na medida em que o tempo passava, tornavam-se infrutíferas as suas tentativas de reintrodução no mercado de trabalho.

O inesperado e prolongado período de inatividade começou a provocar discórdia no antes, imaculado relacionamento conjugal. Já não bastassem todos os problemas, havia também a interferência da mãe de Verônica que nunca simpatizou com ele. A sogra não admitia perder a filha, que ao casar-se passou a construir sua nova família deixando um vazio na casa, para de filha torna-se, também, mãe. Tratava Verônica, principalmente na presença de Oscar, como uma menina incapaz de assumir a independência adulta. Contribuía, também, para o desajuste, o fato de serem obrigados a viver com o salário de Verônica, antes utilizado com exclusividade para os seus caprichos de mulher. O casal teve que deixar a casa espaçosa e bem mobiliada onde viviam, luxo que a sua condição financeira até então permitia, para irem morar no apartamento da mãe dela, tornando seus momentos de intimidade ocasionais e jamais sigilosos. Também, em decorrência de conviverem no mesmo ambiente, passou a ser mais rigorosa a interferência da sogra nos assuntos particulares do casal, inclusive na tentativa de intromissão no modelo de educação que procuravam transmitir à Karina.

Emocionalmente ferido e farto de ouvir indiretas, a respeito de morarem de favor, ele resolveu por em prática sua habilidade natural de fazer retratos de pessoas à mão, utilizando-se somente lápis.

Oscar saía, geralmente à noite, e rodava os bares da cidade fazendo imagens de pessoas, principalmente de casais, e sempre voltava muito tarde para casa, lá pelo meio da madrugada. A mãe de Verônica passou a "encher" os ouvidos dela, insinuando que ele deveria estar gastando o dinheiro dela com bebidas e mulheres, que passava quase o dia todo trancado no quarto, talvez dormindo enquanto ela trabalhava para sustentar a casa. Insistia que ela deveria separar-se dele, pois, para ela o genro era vagabundo e a história de retratos manuais era conversa fiada: “Ele nunca me enganou. Deve estar metido com algum rabo de saia. Tem mulher que está jogada fora e dá dinheiro pra homem, sabia?” – Dizia.

Tanto a mãe fez, que ela começou a ficar desconfiada, mesmo porque o dinheiro que ele trazia para casa não era muito, e decidiu sair à noite na tentativa de encontrá-lo, mas sempre na esperança de vê-lo executando o trabalho que dizia fazer, como de fato, algumas vezes aconteceu, ocasiões em que voltava para casa chorando arrependida por ter desconfiado do seu amado, por insistência da mãe, a quem relatava, satisfeita, o que tinha visto. Mas ele começou a circular em outros bairros onde os bares são mais movimentados à noite, principalmente por conta de turistas, na expectativa de aumentar suas chances de mostrar sua habilidade e conseguir mais dinheiro. Assim, Verônica raramente o via e, instigada pelas insuflações da mãe, principiou a admitir que ele pudesse ter outra mulher, considerando-se que a relação deles estava longe do que era antes dele ficar desempregado.

A ronda noturna de Verônica passou a ser rotina. Às vezes, sentindo-se triste e sem esperança que tudo voltasse a ser como antes, ficava sentada num bar, bebia e voltava para casa meio tonta e desanimada. Uma mulher sozinha nesses ambientes é alvo fácil de assedio de homens, o que acontecia frequentemente, confundiam-na com prostituta ou mulher de programa.

Certa noite, ela entrou num bar e pediu um drink. Estava cheio de casais e homens sozinhos. Ela perguntou ao garçom se tinha visto um homem que costuma ficar por ali pintando retratos.

Ele lhe disse que tinha visto, sim: “Ele estava sentado na mesa daquela loira.” – Fez sinal apontando uma mesa onde um casal estava se beijando. Ela foi, decidida, em direção à mesa e puxou a mulher pelos cabelos que, espantada e em seguida furiosa, perguntou esbravejando:

- O que é isso? Você é maluca?

- Desculpe-me. Eu pensei que você estava beijando o meu marido.

Vendo que não era Oscar quem beijava a mulher, disse, meio sem jeito:

- O garçom me disse que ele estava sentado aqui fazendo um retrato...

- Ah! O Oscar? Ele fez sim, um retrato nosso. Olha. Ficou lindo! – Mostrou a imagem do rosto dela e do namorado sorrindo – Ele trabalha muito bem. É um artista. Eu lhe paguei com um anel que eu ganhei do meu ex-marido. Foi o que ele me pediu em pagamento. Disse que o anel é lindo e queria dá-lo de presente para sua esposa. Você tem sorte. Ele disse que te ama muito e não tinha dinheiro para comprar um presente para te dar no dia dos namorados. Eu lhe dei o anel, aproveitei para me livrar de uma lembrança do meu ex que me traiu.

Ela agradeceu e correu para casa para encontrar o seu marido e dormir agarradinha com ele.

No dia dos namorados ela fingiu surpresa quando ele lhe entregou o anel acondicionado numa bonita caixa.

Mas a mãe dela insistia. E todas as noites era a mesma coisa. Ficava enchendo os seus ouvidos com coisas contra o pobre do Oscar. Numa sexta-feira em que não houve aula na escola que ela trabalhava, ele lhe perguntou se queria acompanhá-lo. Ela lhe disse que não, queria aproveitar o dia de folga para descansar. Ele, então, quando saiu de casa no início da noite, disse-lhe que iria para a lapa, pois era mais perto e queria voltar cedo. Estava sentindo falta de conversarem e ficarem um pouquinho juntos. No caminho, porém resolveu ir para Copacabana, lembrou-se que naquela época a cidade estava cheia de turistas.

Verônica comentou com a mãe sobre o convite feito pelo marido e a sogra, venenosa, aproveitou para dizer que na certa era um disfarce para se fazer de bom moço e, como sempre, maliciosa, sugeriu que a filha fosse atrás dele para ver se o encontrava. “Você é muito ingênua, minha filha, homem é tudo igual e esse teu marido não é flor que se cheire.” – Emendou.

Ela, disposta a esclarecer de vez a situação e convencida da fidelidade do Oscar, saiu em busca dele, com a intenção de que voltassem para casa juntos e calassem a maledicência da sua mãe. Evidentemente, como ele mudou o rumo depois de ter saído de casa, sem anunciar o novo destino, ela não o encontrou. E, com o orgulho ferido, convenceu-se que a mãe infelizmente deveria estar certa e ficou muito triste. Sentou-se chorando num bar e bebeu, sentindo-se traída, abandonada e só. Um homem aproximou-se e sentou-se ao seu lado sem pedir permissão. Perguntou se ela queria desabafar e ofereceu outro drink. Ela disse, somente, que estava sendo traída pelo marido.

- E você está chorando por isso? – Ele perguntou - Dê o troco. A minha mulher também me traiu e eu simplesmente saí de casa.

- Mas eu não vou sair de casa porque ele está me traindo, pior que eu ainda não confirmei, mas quando eu tiver certeza eu vou mandá-lo embora. – Disse ela.

Ele pôs a mão sobre a dela e falou:

- Eu sei que dói muito, mas depois passa. Você vai encontrar outra pessoa, não existe só o seu marido no mundo.

- Eu quero pagar na mesma moeda. Você quer ir para a cama comigo? - Perguntou Verônica sem rodeios.

- Você tem certeza? Você nem me conhece...

- Assim é melhor. Se eu me arrepender, não terei criado vínculos.

E foi para um hotel de quinta categoria com o desconhecido que disse chamar-se Pedro. Deixou, sem nenhum prazer, que as mãos estranhas percorressem o seu corpo e que ele lhe penetrasse, suportou o homem uivando, até desabar, cansado, sobre o seu corpo com a boca que exalava bafo de bebida no seu pescoço. Seu único movimento tinha sido o sorriso que se desenhou na sua boca pela vingança conquistada, antes de empurrar o homem para o lado e correr até o banheiro para lavar toda a sua repugnância. Vestiu-se e saiu , esperando nunca mais vê-lo.

Quando chegou em casa e não a encontrou, Oscar foi bater no quarto da sogra, que lhe disse, maldosamente:

- Ela saiu. Está saindo todas as noites, como você. Na certa encontrou alguém que preste.

- Eu não acredito. A Verônica não iria duvidar de mim. Ela me conhece muito bem e sabe que tudo isso é passageiro.

Foi para o quarto e ficou esperando pela mulher, sem saber o que fazer, desesperado com o que ouviu da sogra. Quando Verônica chegou, ele perguntou onde ela estava, e disse que estava com pensamentos ruins. Ela respondeu que tinha ido atrás dele porque se arrependeu de não ter aceitado o seu convite; que rodou a Lapa inteira e ele não estava lá, como havia dito.

- Você está me traindo? – Ela perguntou.

- Verônica, você deixou de confiar em mim? Está dando ouvidos à sua mãe, não é? Agora eu entendi porque ela me falou aquilo. Ela disse que você sai todas as noites, quando eu vou trabalhar. É verdade?

- Eu saio sim, mas é à procura de você. Pra ver se está desenhando retratos mesmo. Como eu nunca lhe encontrei, estou desconfiada que a minha mãe tem razão.

- Eu não pretendo lhe trair, Verônica. Você é minha esposa, a mulher a quem sou fiel e amo, apesar de tudo que a sua mãe tem feito para destruir o nosso casamento. Olhe, hoje foi a melhor noite para mim, consegui bastante dinheiro. Estava pensando em viajar este final de semana. Poderemos ficar só nós três: você, Karina e eu para espairecermos e descansarmos a cabeça, longe dos problemas que temos tido aqui na casa da sua mãe. Que tal?

Ela começou a soluçar e ele pegou o rosto dela entre as mãos.

- Querida, – ele disse – apesar de hoje ter sido uma noite proveitosa, eu estou com vontade de parar de sair à noite, pois é justamente a hora que temos para ficar juntos. Eu não te contei tudo. Acho que vamos tirar o pé da lama. Eu conheci um casal, fiz dois retratos deles num bar lá em Copacabana e depois eles falaram que são donos de uma galeria de arte e me convidaram para ir ao apartamento deles lá no Leblon. Eu fui com eles e fiz um retrato dela na janela, depois outro dela sentada na cadeira. Na hora que comecei a desenhar, o homem arriou o vestido dela e deixou os seios nus. Ele notou que eu fiquei meio sem jeito e disse para eu não ficar envergonhado porque se eu quiser ser artista vou ter que me acostumar a ficar na presença de mulheres nuas. Além do mais eu estou aqui. Ela é bonita e o retrato ficou perfeito. É lógico que eu dei uma melhoradinha nos peitos pra realçar e fazer com que ela ficasse mais satisfeita. Ela nunca iria dizer que os seios dela são piores do que os que eu desenhei, claro! Mas você não precisa se preocupar. Você é muito mais bonita e os seus seios dão de dez nos dela. Mais vantagem ainda: são da minha mulher, minha própria razão de ser. Eu acho que eles fazem swing, pois depois ela tirou a roupa na minha frente sem o menor pudor e o cara nem ligou. Ela me pediu para desenhá-la totalmente nua. Eu disse que hoje não dava porque já era tarde. Eu já não sabia mais pra onde olhar. O cara me pediu para voltar na semana que vem, ele vai ligar para dizer o dia. Perguntou se eu me importo de fazer desenhos deles dois nus na cama, talvez com mais dois modelos. Está pensando numa exposição com teor erótico.

- Você ficou excitado? – Ela perguntou para saber se ele iria dizer a verdade.

- Pra ser sincero, eu já estava ficando sim. Por isso eu disse que tinha que vir embora.

- Se você achar que eu não devo ir, não vou. Mas se eu for, prometo que vou me controlar e que não vou fazer nada com eles, nem que tenha que abandonar tudo. Eles não podem me obrigar.

- Não! Eu quero que você vá. Confio muito em você. Também vou ficar muito orgulhosa em ter um marido famoso e, além disso, eu não estou mais agüentando morar aqui com a minha mãe. – Disse ela, ainda chorando.

- Mas por que você está chorando? - Disse ele, beijando a face molhada da esposa - Eu estou com muita esperança de conseguir sucesso na atividade artística e assim poder refazer o nosso lar.

- Oscar, minhas lágrimas são uma mistura de sentimentos de amor, alegria - Ela fez uma pausa e por pouco não revelou a traição, pois ele, apesar de tudo, nunca lhe abandonou. Respirou fundo e continuou: de muita felicidade em ter uma pessoa como você ao meu lado, obrigada por tudo e desculpe-me.

Verônica, parou de chorar como se estivesse um pouco mais aliviada e Oscar, sem compreender muito bem o que a esposa quis dizer, entendeu, por suas palavras, uma forma de desabafo por causa de tudo que estavam passando, abraçou-a apertadamente contra seu peito e foram sendo tomados pelo amor incondicional e verdadeiro que os unia.