O Vício Maldito

O VÍCIO MALDITO

Estava leve. Parecia poder voar. Era essa a sensação que a droga lhe trazia. Depois o efeito passava. Ficava triste, usava-a de novo, sem parar. Sem conseguir parar. Um filme parecia passar na sua cabeça.

“Quando estava careta, a vida parecia-lhe uma prisão. Seus pais sempre brigando, sua irmã de treze anos, grávida do namorado de vinte e seis. Sua avó, a única pessoa que lhe compreendia naquela casa, estava morrendo e ele nada podia fazer para ajudá-la. Usava a droga como fuga. Era seu momento de liberdade. A vida não estava fácil.

Nádia era a única amiga que ainda tentava ajudá-lo. Lembrou-se dela. Ela sempre lhe dizia que não era desse modo que ele ia consertar a vida. Mas ele não a ouvia. Ela, teimosa e persistente, não desistia.

- Paulo, você está acabando com a sua vida! Acha que fugindo tudo vai se resolver? Caramba, você tem quinze anos. Está destruindo a sua vida por pura covardia. Você precisa ser forte, precisa agüentar. Enfrentar esse vício maldito!

- Não sou viciado! Paro quando quiser.

- Você não vê, não consegue admitir. Está morrendo aos poucos. E eu? Eu estou morrendo junto com você. Não agüento lhe ver deste jeito. Se você não se importa com seus pais ou sua irmã, lembre-se ao menos de sua avó. Ela já sabe que você está se drogando. Ela percebeu. Já está idosa, precisa de você, não merece sofrer. É o único que pode ajudá-la.

- De que adianta minha ajuda se ela vai morrer mesmo?

- Todos nós vamos morrer um dia, essa é a única certeza da vida. Mas será que precisamos sofrer antes disso? Justamente a sua avó, uma pessoa tão boa, que gosta tanto de você.

Ele ficou quieto, nada respondeu.

- Olha a sua avó, Paulo. Ela parece sentir quando você sofre, e sofre junto com você. Olha você! Está acabando com a sua vida e com a vida de quem te ama. – e uma lágrima rolou pelo seu rosto.”

O efeito da droga já havia passado. Paulo ia fumar mais uma pedra, quando lembrou-se das palavras e das lágrimas da amiga. Ela realmente gostava dele. Ele, apesar de não admitir, sabia que estava viciado e que mesmo que quisesse parar, não conseguiria sozinho. Nádia era a sua única esperança e ele não deveria deixar essa chance escapar.

Pegou a última pedra e jogou-a no chão. Os outros ao verem-no fazendo isso, correram para pegá-la. Paulo levantou-se, ainda meio que cambaleando, e começou a andar. Andou, andou e andou, até que depois de muito tempo, parou em frente a uma casa muito bonita. Foi até a porta, apertou a campainha. Um tempo depois, a porta se abriu.

- Paulo!? É você?

Ele estava irreconhecível. Esfarrapado, com o cabelo duro, tal era a sujeira em que se encontrava.

- Nádia, pelo amor de Deus, me ajuda. Você é a única pessoa que pode me socorrer. Eu não agüento mais.

- Entra, Paulo

Paulo entrou e Nádia o guiou até o quarto.

- Paulo, que bom que você resolveu voltar… Ainda bem que meus pais não estão em casa. Me proibiram de falar com você. Toma – e lhe entregou uma muda de roupas – vá tomar um banho, é logo ali.

Paulo obedeceu à amiga. Abriu o chuveiro. Era uma sensação maravilhosa. Fazia quase duas semanas que não tomava um banho de verdade, desde que havia fugido de casa.

Acabou o banho, se trocou. As roupas, provavelmente, eram do pai de Nádia, mas ele não se importou. Saiu do banheiro. Nádia apareceu segurando uma bandeja com um lanche para ele.

Sentaram-se na cama. Ele estava faminto. Comeu todo o lanche. Nádia olhava para ele satisfeita. Estava contente, pois sabia que teria uma chance de salvar o amigo.

Findo o lanche, Nádia colocou a bandeja de lado. Ele deitou a cabeça no seu colo.

- Você teve notícias da minha família?

- Tive sim. Seu pai e sua mãe se separaram, mas ele conseguiu arrumar um emprego. Sua irmã já ganhou neném, um menino, e foi morar com o namorado…

- E a minha avó? Ela está bem?

- Paulo, depois que você fugiu de casa, sua avó piorou de novo. O câncer é uma doença terrível. No hospital, quando não estava dopada, estava chamando por você. Uma vez, eu saí por aí para ver se te achava, mas não adiantou. Não te achei. Ela faleceu, depois de sofrer muito, pobrezinha…

Paulo se calou. E chorou, como nunca antes havia chorado.

Cintia Henriques
Enviado por Cintia Henriques em 25/10/2010
Código do texto: T2577860
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