Conheceram-se pela internet. Ela ainda escondida dentro de si mesma, aos pouco ia mostrando a cara. Com certa dose de insegurança temia decepcioná-lo. Achava prematuro partir para um cara- a- cara sem que antes visse prevalecer suas certezas sobre seus temores. Contradizia-se, sem perceber, quando falava da sua timidez. Tramitava mais do que os limites da timidez impõe e isso trouxe à tona esse aspecto contraditório, pelo menos aparentemente.

Ele, quarentão solitário e carente. E isso dava a ele coragem para enfrentar rumos desconhecidos à procura dos seus nutrientes emocionais. Alimentava suas fantasias com essa completamente desconhecida do mundo real. Todavia, compartilhavam indizíveis intimidades no mundo virtual, já que ela, sem rodeios, sem medo e até sem pudor mostrava seu lado avesso, nos versos e nas mensagens, chegando à beira da devassidão, cuja timidez mostrava-se apenas como uma máscara. Ora pendia para o lado que liberava sua parte lasciva. Noutros momentos, exagerado pudor causava-lhe indignação quanto à suposta intenção do seu interlocutor. Ela, por vezes insegura, dava sinais de alerta com proeminentes imposições de limites a serem respeitados pelo seu pretendente, que até então ainda não dispunha de suficiente credibilidade. Ele muniu-se de cautela. Daí as barreiras foram caindo, mais por conta da mudança de estratégia. Ela exigia cuidados especiais. Ele falava sobre a essência, que era o que mais lhe importava. Ela concordou e assumiu na íntegra o que lhe fora dito. A essência. Ambos agora estavam falando a mesma linguagem. E, depois de milhões de tecladas e telefonemas, chegaram ao mesmo lugar comum dos que se pretendem. Até já se amavam, tal qual eles imaginavam, mas. quem aqui relata. achou ainda forte demais usar o amor como motivação do iminente encontro.

Era o momento de cuidar da aparência. Não podia haver decepções, de ambas as partes. Ele pela primeira vez foi à manicure. Ela já era costumeira freqüentadora de salão de beleza. A novidade rendeu muita conversa. Houve até comemoração. Alguém advertiu: não dá mole, mas não exagera. Ela na dúvida perguntou: o que é não exagerar? Silêncio. Ninguém sabia ao certo. O dilema: se der mole, ele vai imaginar que sou mulher fácil! Se não der, ele não volta! Alguém arriscou dá logo, mas como quem não está acostumada a fazer isso. Surpreenda-se com o tamanho a cama do motel ou qualquer outra coisa. O dia, a hora, como o tempo passava devagar.

Finalmente o dia. No shopping. Ela tremia. Ele nervoso. Atenta ao celular, pois coube a ele fazer o contato. Atendeu na primeira chamada. Fez-se de tranqüila. Deu-lhe a dica da sua localização: em frente ao Mc Donald, de blusa branca. De longe avistou a de blusa branca, e foi direto a ela indagando eufórico: Suely? Não, Marcele! Olhou bem e desculpou-se pelo equívoco. Suely estava na outra ponta e o achou parecido, meio decepcionada. Ele olhou-a de longe e imaginou que talvez ela não pudesse ter vindo tivesse pedido à mãe para vir conhecê-lo, afinal ela era tão tímida e a mãe era, sabidamente, a incentivadora do encontro!

- Boa tarde, minha senhora.  Ela foi logo indagando:

- o Roberto não pode vir e o Sr veio no lugar dele para conhecer minha filha?

- Ele rapidamente concordou.

Conversaram e se desculparam pela impossibilidade da vinda dos filhos,  e ela admittindo que encontrava-se na mesma situação. A esta altura estavam promovendo uma farça: ambos sabiam da verdade, mas a estratégia era evitar constrangimentos.

Ele ficou falando do Roberto e ela da Suely, para dar ênfase à encenação, coisas que sabiam sobre si mesmos. Foi pouco tempo de bate papo. Ambos voltaram para casa frustrados e pensando: essência !  Tô fora.


 
Bandemaguz da Távola
Enviado por Bandemaguz da Távola em 13/10/2010
Reeditado em 31/01/2014
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