Sangue do meu sangue
Ele um destemido policial, acima de qualquer suspeita, que trabalhava na delegacia local, enquanto ela, uma enfermeira feliz e orgulhosa e também mãe jovem Sandro, um garoto de 16 anos, que além de muito estudioso, trabalhava como balconista na padaria do bairro e que ela criou e educou sozinha, pois o pai os abandonara. Eles dificilmente se encontrariam mesmo morando na mesma cidade, se não fossem as peças que a vida costuma pregar.
Naquele dia, Sandro estava radiante e ansioso para chegar a sua casa, pois era véspera do dia das mães e este mês, ele havia juntado todo o seu ordenado e comprado algo especial para presentear a pessoa a quem ele mais amava.
Final de tarde, já estava anoitecendo e também chovia, quando a loja terminou o expediente. Estava sorridente, alegre como sempre. “Lembro-me que ele já estava alcançando a saída, quando virou-se risonho e disse”:
— Boa noite a todos e até segunda. Torçam por mim, tenho um encontro com a mulher que amo!
Todos riram, pois sabiam que se referia a sua mãe, de um jeito seu, cheio de graça e com um carinho especial
O jovem seguiu apressado seu trajeto e caminhando, mesmo porque, morava não tão distante do local onde trabalhava. Além da ansiedade de chegar em casa, a chuva igualmente lhe apressava o passo, uma vez que não queria molhar o presente.
Depois de atravessar três quadras e faltando ainda duas para que chegasse ao conforto do lar, o rapaz ouviu um grito:
— Pare!
Era a voz de um policial, que para desventura de ambos suspeitara do garoto.
Ele parou na mesmo instante e ouviu o comando do homem que completou.
— Vire-se para a parede e ponha as mãos onde eu possa ver!
O garoto virou-se e antes que pudesse erguer as mãos congeladas pelo frio, o presente que carregava escapou-lhe subitamente das mãos. O garoto movido pela ânsia de salvar o presente, ele agachou-se rapidamente, num gesto heróico, apanhando ainda no ar o objeto e evitando que o embrulho encontrasse a calçada molhada.
E naquele segundo fatídico, cuja sorte parecia querer brincar com o garoto, ouve-se um estampido. “Parecia ser um tiro... Com certeza era um tiro”.
Um dos policiais ainda chegou a gritar:
— Não!
Não restava tempo, o seu colega, tinha baleado o garoto que ali agonizava abraçado àquele embrulho.
Apesar de lamentar o ocorrido, eles tinham que se proteger. “Tinha que ser assim, colega protege colega”.
Um dos policiais tirou um revólver da própria cintura e murmurou:
— Está aqui a nossa vela...
Termo que usavam para as provas que eles mesmos criavam nas cenas de crime. Completou ainda:
— Vamos dizer que ele tentou reagir.
— Pois é! Morto não fala. É isso mesmo que vamos dizer.
— Ratificou o outro, sem o menor sentimento de culpa.
Ambos retornaram para a delegacia e agiram como combinado, pois assim os problemas estariam resolvidos, mesmo se os pais do garoto o procurassem.
Horas mais tarde, após ter procurado o seu filho em vários lugares e de ter reconhecido o corpo entre os indigentes IML, a mãe de Sandro vai à delegacia para pedir respostas sobre o assassinato do seu único filho.
O delegado relatou-lhe o ocorrido, de acordo com o termo circunstanciado preenchido pelos policiais, mas já lhe advertiu:
— Trata-se de dois dos meus melhores homens... Vou averiguar, porém recomendo que aceite o fato. A senhora não soube criar.
Ela desolada deixou o local e antes que descesse a escada da porta principal, passou ligeiramente por aquele policial mencionado no inicio. Ele parecia tê-la reconhecido:
— Não pode ser.
Murmurou.
Ela continuava linda, parecia a mesma menina, uma estudante de enfermagem que conhecera a anos atrás.
Foi até ao delegado e indagou sobre quem era aquela senhora e o que queria ali.
E seguro, o delegado respondeu:
— É a mãe do garoto criminoso, que reagiu e vocês atiraram
Ouvindo aquilo o policial ficou apavorado. Abriu a sua gaveta pegou um pacote e desembrulhou, era uma gargantilha em ouro, com uma medalhinha contendo os dizeres “Minha mãe meu verdadeiro pai” e junto a ele um bilhete que num gesto inaudito aquele homem com os olhos marejados e não tão destemido, começou a ler:
— “Mãe, eu sei que não pude crescer ao lado do meu pai, sempre senti falta dele, todavia reconheço o desvelo e o amor que sempre me dedicou e as suas lutas para fazer de mim um homem honesto, humilde e trabalhador. Você conseguiu e eu quero um dia ser para meu filho o pai que você foi pra mim. Eu te amo”.
Terminando a leitura, ele chorou, entregou o embrulho ao delegado e também o bilhete e com o olhar desditoso para o vazio, declarou para o chefe que atônito o escutava.
— Essas eram as armas daquele garoto, que não cometeu crime algum.
Completou ainda.
— Sou eu o criminoso. Ele era o meu filho, sangue do meu sangue! Certamente voltava do trabalho e pra minha dor e castigo, morreu com um tiro deflagrado da minha própria arma.
A vida nos prega peças, ali não foi diferente e certamente aquele seria o dia mais triste da vida destas pessoas.