EXPECTORANTE

Dentro de mim algo crescia. Nas minhas calças o celular vibrava. O vizinho escarrava no banheiro acima do meu.

Atendia o celular com entusiasmo por abandonar os escarros do vizinho. A pessoa nada dizia. Do outro lado da linha, a pessoa queria ouvir minha voz e eu fazia o mesmo, mas ambos ouvíamos o vizinho tentando expelir os pulmões.

Eu expelia a espinha que crescia na testa.

Se eu fosse ainda adolescente e se ainda houvesse uma festa que tivesse de ir, ai então me preocuparia com a testa sangrando. Mas o convite era mudo do outro lado.

Cogitei que fosse grande a vontade de existir uma pessoa me ligando por isso simulei que alguém queria ouvir minha voz. Queria saber o que era essa coisa crescendo dentro de mim.

Depois de tanta coisa expelida nestes instantes em que ouvia a respiração do outro que não formulava o convite — sangrei até, podia gritar que sangrei apesar de dramático, apesar de desesperado — desliguei o telefone sem ouvir palavra alguma. Sem gritar, vesti meu melhor vestido alugado entre os outros que não devolvi, que não paguei, que se tornaram parte minha por que não sei que coisa é essa que cresce dentro de mim. E fui à festa.

Fui à festa com uma grande espinha prestes a emergir de dentro de mim e eu precisaria expelir. Se minha testa sangra, se havia um grito guardado dizendo que sangrei, talvez eu quisesse gritar. Gritei no instante em que a música começou. No instante em que me tomaram para dançar. Não houve convite.

Dançando, expeli aquela coisa que crescia. De repente, como o “até que enfim!” que o vizinho exclamava depois de expelido os pulmões, senti-me livre.

“Você estava grávida e nos disse?”, disseram-me as amigas. Mas era equivoco. Não era. Expeli apenas e agora posso gritar por que dentro da bolsa o celular vibra.

Atendi, mas novamente não ouvia. A música era muito alta e todos me falavam de hospital e eu já deixara de sangrar. Minha testa estava recoberta de maquiagem da mesma forma que os brônquios do vizinho eram aliviados com xarope. Tudo se maquia; podia ser meu lema.

Tocaram-me nos ombros. Olharia para trás e cinematograficamente lá estaria ele. Me tomaria nos braços. Me embalaria a dança cadenciando a dor provocada pelos sapatos. Molhados, os braços embalavam o natimorto. E nem me adianta gritar ao telefone, ele sempre ouviria escarros expelidos. Eu não sei o que fazer se não mais sangro, se gritar agora é depressivo. Gritando, preciso de um xarope talvez por falta de voz é que ele não consegue me ouvir.

Fabiano Rodrigues
Enviado por Fabiano Rodrigues em 16/03/2010
Código do texto: T2141648
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