LEMBRANÇAS DE NATAL


Éramos muito pobres. Somente em duas situações colocávamos roupas novas. No dia do nosso aniversário e no Natal. E só nestas duas situações ganhávamos presentes.
No mês de dezembro, meu pai já começava a falar no Papai Noel. No que “talvez” ele nos trouxesse de presente. Fazia mil suposições do que seria entregue a cada um de nós.
Éramos quatro. Sandra era a mais nova, depois vinha eu, Lu, minha irmã Sonja e meu irmão Arnuble. Meu pai sempre acertava o presente de cada um e eu ficava encantada com a esperteza dele. Como é que ele sabia?
Mas houve um Natal diferente. Morávamos em uma pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul, Guaíba, perto da capital Porto Alegrense. Eu tinha quatro anos, Sandra, três anos, Sonja cinco anos e meu irmão seis anos. Era noite de Natal e o papai Noel iria aparecer na casa de uma vizinha. Minha mãe colocou nossas melhores roupas e fomos todos contentes pra receber o papai Noel. Ainda não tinha uma idéia de quem exatamente se tratava aquela pessoa. Sabia apenas que ele traria presentes pra nós e que era fantástico.
Quando chegamos notei que outras famílias estavam lá com seus filhos.
Escutei alguém falar que o papai Noel iria brigar com a criança que durante o ano havia se comportado mal. Tive medo. Tentei lembrar se em algum momento havia infringido esta “lei” do mau comportamento. Não lembrava. Mas tive medo dele ter “visto” algo que eu nem lembrava de ter feito. Afinal, era o papai Noel!
Quando ele chegou foi um alvoroço total. Sandra abriu o berreiro e se escondeu atrás da porta. Eu fiquei com medo sim, mas não chorei. Fiquei tentando achar uma desculpa, alguma coisa pra “mentir” pro papai Noel sobre minha vida passada naquele último ano. Papai Noel já bem instalado começou a chamar as crianças pelo nome para dar os presentes. Nossa! Ele sabia o nome de todos ali! Ele sabia tudo então! Tentava elaborar algo pra dizer que o convencesse da minha inocência. Mas estava chegando minha vez e não conseguia pensar em nada. Afinal, eu tinha só quatro anos. Quando chegou a vez do meu irmão, coitado, papai Noel começou a falar o quanto ele havia sido mal comportado e depois de dar alguns conselhos deu o presente e... Pasmem! Uma vara de marmelo! Fiquei apavorada! Não era noite de Natal, era um pesadelo! E eis que chega minha vez! Ele abraçou-me e eu corajosamente falei em minha defesa: “papai noeli, eu não faço maquiação”! Lembro que foi uma risada geral! Eu achei que tinha me saído bem porque o papai Noel riu, mas mesmo assim ganhei junto com o presente, uma vara de marmelo! Lembro que minha irmã mais nova gritou, esperneou e chorou o tempo todo e ninguém a convenceu que aquele velhinho que dava a todas as crianças da sala uma vara de marmelo para seus pais baterem, era um velhinho bom! Eu imaginei que aqueles adultos da sala haviam falado muito mal de nós pro papai Noel. Apesar de tudo continuei acreditando que ele era bom.
Hoje fico pensando quem foi o ser adulto maquiavélico que pensou naquilo? E por que os pais consentiram?
Nunca esqueci aquele Natal.

Lu Ar