Trabalhando Numa Bolha

Hoje fugindo a regra, em vez dos meus rotineiros “causos” vou narrar um fato verídico que aconteceu comigo, durante a construção da Ponte sobre o Rio Paraíba, na BR-230 PB., trecho inicial da Transamazônica

Durante todos os anos que trabalhei no ramo da construção civil, executei quase todos os tipos de construções, foram pontes, viadutos, barragens, fabricas, terraplenagem, pavimentação e uma infinidade de serviços menores, dentre eles o que eu mais detestava e que me fazia “tremer nas bases”, eram as “Fundações a Ar Comprimido”. - Fundações a ar comprimido é uma técnica desenvolvida, que permiti a execução de fundações de pontes até 35 metros de profundidade, em terrenos alagadiços, rio e até no mar, como foi o caso da Ponte Rio Niteroi, no Rio de Janeiro. - Para a execução desse serviço é utilizado um equipamento denominado “Campânula” que muito se assemelha a uma cápsula espacial, confeccionada com chapas de aço de 1” de espessura. Este equipamento é acoplado ao topo do tubulão (Tubulão é um tubo de concreto ou de chapa de aço a ser cravado no leito do rio) a ser escavado no leito do rio; com o auxilio de vários compressores de ar de grande potência, o ar vai sendo injetado na campânula, que por sua vez expulsa a água contida no tubulão, permitindo que o operário execute a escavação a seco. - Devido os grandes riscos na execução desse serviço, os operários são altamente especializados e só são encontrados numa única cidade do Brasil, na pequena MACAIBA - RN, bem pertinho de Natal, nossa capital espacial. - As condições do serviço são precárias e severas, exigindo do operário uma saúde perfeita e um condicionamento sobre-humano de um atleta olímpico; lá dentro o espaço é reduzido e a escuridão é quase total, o ar é rarefeito e a pressão atmosférica é de 3KGcm3, isto dificulta os movimentos do operário, sua voz fica anasalada e soa como um (pato de desenho animado). No interior do tubulão o espaço é exíguo, (80 centímetros de diâmetro) as ferramentas utilizadas tem os seus cabos reduzidos. - Devido a grande diferença da pressão interna para a externa, caso o operário se sinta mal, dentro do tubulão, não poderá por hipótese alguma ser retirado no mesmo instante; primeiro terá de passar pela campânula para a descompressão, caso contrário pegaria ar nas partes moles do corpo (nuca, panturrilha, parte posterior do braço) e/ou ir a óbito. A comunicação entre os que trabalham dentro e fora da campânula é feita através de interfone, ou por um estranho código criado pelos próprios operários, que consiste em rápidas batidas com pedaços de ferro contra a parede de aço da campânula (só eles mesmo entendem).

ooo x ooo

Duas horas da manhã, chovia forte, eu dormia num dos barracos do nosso acampamento da Ponte sobre o Rio Paraíba na BR-230 PB, quando alguém bate a minha porta, era “Lambretão” Mestre do Ar Comprimido, ele veio me informar que uma das fundações já estava escavada, pronta para ser concretada, ele queria a minha autorização para iniciar os serviços. Visto a minha roupa e nos dirigimos para a barraca vizinha onde acordamos o fiscal do DNER (o serviço só poderia ser executado com a prévia autorização do fiscal), fomos até o meio do rio através de uma “pinguela” de madeira, o Rio Paraíba estava cheio com uma lamina d’água de mais de cinco metros.

Convidei o fiscal para entrarmos no tubulão para verificarmos a escavação, o homem “tremeu nas bases”, alegando problemas cardíacos, ele me pediu para eu entrar sozinho e trazer uma amostra da rocha escavada para a sua apreciação e posterior liberação da concretagem. Eu lidava com aquele tipo de equipamento a mais de 8 anos, mas, nunca tivera coragem suficiente para descer a uma profundidade de mais de 33 metros. Como tinha de concluir o serviço, resolvi aceitar o desafio, entrando pela primeira vez num TUBULÃO. O mestre fez sinal para o operador da campânula iniciar a descompressão do equipamento, um forte jato de ar sai de uma das válvulas, a escotilha finalmente é aberta. De dentro da campânula saí uma nuvem de fumaça azulada impregnada de óleo, entro no cubículo e a escotilha é fechada as minhas costas, pelo interfone escuto o Mestre avisando que iria iniciar a compressão, coloco um respiradouro sobre o nariz, de repente um forte jato de ar toma conta do ambiente, a cada segundo a pressão dentro da campânula aumentava, e eu de olho num dos monômetros., rapidamente o ponteiro começou a se movimentar até atingir a marca dos três quilos por centímetro cúbico. Meu ouvido parecia que ia estourar, a pressão sobre o meu corpo era tanta, como eu tivesse colocado um grande bloco de concreto sobre o meu peito, o barulho da entrada de ar na campânula era infernal, o operador da campânula fez sinal para que eu ficasse de pé dentro de um balde de ferro (ele fazia os sinais, já que não podia ser escutado com o barulho da entrada do ar) que servería de elevador para me levar as entranhas da fundação. O guincho foi acionado e o balde foi descendo lentamente em direção ao fundo, ainda não havia descido uns três metros, olho para o alto, o ar estava de tão rarefeito e tão impregnado de óleo, que já não se via mais a iluminação da campânula, agora era escuridão total, o balde balançava batendo nas paredes irregular do tubulão, tinha dificuldade em respirar e de me movimentar, o calor beirava os 45°, depois de cinco longos minutos de descida, finalmente vejo uma fraca réstia de luz , estava chegando a base do tubulão a 32 metros abaixo do rio Paraíba, eu sentia uma angustia terrível e um medo ainda maior, finalmente bati no fundo rochoso da fundação, me sentia só e desprotegido, como um astronauta perdido na sua cápsula no espaço sideral; recolho um fragmento da rocha, entro no balde e puxo o cabo de aço, era o sinal para que o guincho fosse acionado, vagarosamente o balde vai sendo içado me conduzindo a superfície, finalmente chegamos de volta a campânula, a mesma é descomprimida vagarosamente, até sua pressão igualar-se a externa, a escotilha é aberta, retiro e respiradouro do nariz e recebo no rosto uma bufada de ar puro e fresco da madrugada. - Nunca imaginei que tão perto de mim, existisse um ambiente de trabalho tão estranho e assustador, quanto aquela bolha de ar. . .