SÊCA...SAUDADE...CUMPLICIDADE
O velho caboclo, como faz todas as tardes, senta-se na varanda da casa antiga, por ele mesmo construída, ao lado da companheira de tantos anos de amores e dissabores.
O silêncio entre eles em certos momentos não trata-se de apatia e sim da cumplicidade do entendimento e da expressão do olhar.
. No momento o olhar de ambos é de saudade, tristeza e inconformismo.
Olham a pequena propriedade que outrora tão produtiva, agora consome-se cada vez mais com o efeito destrutivo da sêca.
Onde tudo antes era tão bem dividido, sendo à direita o pasto, e,a esquerda a plantação, agora é uma coisa só chamada desolação.
No pasto onde nos tempos da providência ele admirava suas poucas vacas, agora restaram apenas alguns mourões sem arames para sustentarem, mais parecendo tocos carcomidos pelas labaredas do inferno. No lugar de capim apenas torrões rachados como fatias do bolo do desespero.
No lado esquerdo onde havia a plantação de milho e feijão agora e um campo devastado, onde apenas alguns arbustos de xiquexiques teimam sobreviver. Só tristeza...
A cumplicidade dos dois é tamanha, que até uma lágrima rola ao mesmo tempo de cada face.
Dissabores....
Mas a sêca é cruel, dominadora e não levou consigo apenas o feijão, o milho e o gado. Levou também sonhos e deixou em seu lugar a distância e a saudade dos quatro filhos do casal, que partiram para longe para não serem tragados por ela e ao mesmo tempo poderem manter a subsistência dos pais teimosos como os comandan-
tes de navios que preferem morrer no naufrágio.
O casal não passa necessidades financeiras, pois os filhos os mantém, mas a fome da saudade também consome, e muito mais que a própria seca. Perdidos num canto distante tem a companhia um do outro, além de um cachorro velho, e algumas cabras valentes. Comandantes do mesmo barco.
Com olhar longínquo, o velho nem sente o cigarrinho de palha chegar ao final em meio à seus dedos calejados.
É fim de tarde, o sol quer dormir. O velho levanta-se, abraça-se à sua escudeira, e abraçados recolhem-se para dentro de casa . É hora de ouvir no velho rádio a Ave Maria.
Sêca...saudade...simplicidade..
23/11/05