SÉRIE: MULHERES DO BRASIL – A BELA

Mulher bela. Bela mulher. Eis um produto vendável: se a mulher fosse produto; se toda mulher estivesse à venda. Mulher bonita nasce ou faz-se. As de nascença são mais legítimas, mais verdadeiras. As fabricadas, até têm seu lugar, mas fica um quê de dúvida. Uma certa insatisfação que nem sempre se consegue definir ou resolver. De qualquer forma, produto ou não, toda mulher bonita é de consumo fácil. Quem não gosta de uma mulher bonita? Até as mulheres sabem apreciar a beleza de uma concorrente, mesmo que depois virem a cara para o lado com desdém. Pelo menos com o olhar, as mulheres belas são consumidas pelos transeuntes da vida. Nos ônibus, metrôs; nas praças e ruas.

O mundo pára para ver uma bela mulher passar! Foi assim que percebi acontecer com Sandra. Ela é uma bela mulher. A encontrei na Estação das Barcas da Praça XV no Rio de Janeiro. Ela estava postada no saguão da Estação, esperando o próximo embarque para Niterói, previsto para dali a quinze minutos. Foi tempo suficiente para observá-la. Cheguei concomitante a ela na Estação. E o primeiro pensamento que tive ao vê-la ali de pé, olhando para o infinito mar, do outro lado das portas de vidro, foi: “A vida é bela. Comigo ela foi generosa hoje, ao me apresentar esta bela mulher...”

Fiquei olhando para Sandra e me perguntando: “Será que ela tem consciência real de sua beleza?” Toda mulher tem seu espelho. Pode ser grande ou pequeno, mas tem. E tem também batom e tem brilho e tem escova e tem sombra. Tem esmalte e sorriso. Cada mulher usa o que bem entender e da forma como melhor lhe aprouver. A mulher pode usar seu sorriso ou seu batom. Pode até usar sua beleza: vestir-se dela a cada manhã para sair à rua e ser feliz. Só não pode usar beleza se não tiver. Sandra era bela. E sua beleza era contagiante. Era uma beleza transbordante. Que inundava o ambiente de uma plasticidade e uma luz e também de uma alegre sensação de que a vida é para ser vivida com os olhos.

Sandra era bela. E como era bom olhar para ela, mergulhar o olhar em seu corpo, afogar-se em seu belo rosto e ser feliz. Fiquei contemplando Sandra de soslaio e pesquisando o que acontecia ao seu redor. Sandra era o tipo de mulher impossível de não ser vista. Não haveria qualquer ser que fosse incapaz de não apreciá-la, de tão bela que era. Era um tipo feminino para ser notado, apreciado e invejado. Continuei a observá-la. Via também os passantes que se surpreendiam ao dar de cara com a beleza de mulher tão estonteante. Deparar-se com o inusitado da beleza de Sandra na Estação era presente dos deuses.

Uns sorriam. Outros encaravam. Ainda alguns a examinavam de alto a baixo. Enquanto havia aqueles que tentavam disfarçar o êxtase que os dominavam ao vê-la. Havia quem interrompia uma caminhada apressada, puxando o freio de mão, para ter mais tempo para apreciá-la e aqueles que fingiam ter algo que fazer nas imediações – uma leitura de jornal, uma busca de documento ou dinheiro em bolso vazio – somente para tê-la ao alcance da vista. Os mais engraçados eram aqueles que iam e vinham fingindo labor só para vê-la e revê-la, tantas vezes quanto sua libido em polvorosa almejasse. E assim foi...

Sandra era bela. Sua beleza era significativa, cativante. Trajando-se com elegância, seu corpo despontava belo, envolvido por um traje de fino acabamento, que lhe ressaltava a beleza. Seu corpo era perfeito. Mulher de estatura mediana, vestia uma roupa esportiva básica, que lhe caía bem naquele contexto urbano. Roupa justa, calça e blusa punham em evidência o belo corpo de formas arredondadas que demonstrava ser cultivado em malhações de academia. Os cabelos de Sandra eram lisos e pretos, estando presos em forma de coque por um adereço artesanal de bambu trabalhado, que lhe emprestava um ar gracioso e jovial. Um batom suave revelava os belos contornos de seus lábios carnudos e uma maquiagem leve destacava a beleza de um rosto emoldurado de luz, onde um nariz fino e olhos vibrantes eram vistos. Um sorriso majestoso completava a beleza clássica de Sandra.

E como esta bela mulher reagia às formas diversas com que era apreciada? De várias maneiras. Sandra parecia ter consciência de sua beleza, mas reagia com simplicidade às respostas das pessoas. Ser bela lhe era um atributo, não um peso. Ela sabia ser bela e lidava com sabedoria nesta condição. Sandra era bela e inteligente. Mulher feia não tem o direito de ser burra. Pode ser sua ruína. Se bela; basta ser! Se feia; não pode parecer. Então, ao enxergar-se no espelho, a feia, precisa mascarar, enquanto à bela, só resta destacar, ressaltar, valorizar o que já tem. Era o caso de Sandra.

A algumas olhadelas fortuitas sobre seu corpo, ela respondia com aparente indiferença. A outras, com inquietação. Para os simpáticos, sorria. Aos insistentes, fechava a cara. Um leve sorriso pronunciado pelo mexer dos lábios e o brilhar dos olhos denunciava certo gozo e contentamento por ser cobiçada. Aos abusados reagia com indignação e os movimentos constantes e sucessivos de pés que trocavam de posição no piso ou de braços que se cruzavam e descruzavam ao sabor de suspiros inquietantes, ia demonstrando seu estado de espírito, salpicando de forma variegada sua reação àqueles que faziam questão de marcar presença ante sua beleza escultural.

Sandra era uma bela mulher e ali, na Estação das Barcas, projetava a imagem da beleza no imaginário dos passantes. Ser bela lhe era uma condição e um dom, pelo qual ela se expressava e fazia de sua vida um presente diário aos olhos dos que a viam. Desde cedo, ainda menininha, ela se acostumou a ser elogiada, paparicada, apreciada. E ela assumiu esta condição de tela viva, quadro ambulante, emanação pictórica da arte de ser mulher para o mundo.

Pensando em tudo isso que me ocorria, e na visão com a qual fora agraciado naquela manhã de inverno, nova visão me chamou a atenção. Passou à minha frente um cachorro magro, quase esbarrando em mim, e forçando-me a acompanhar o seu trajeto. Foi o que fiz. E surpreso fiquei quando ele postou-se diante de Sandra e imóvel pôs-se a contemplá-la: olhar suplicante, cabeça erguida em posição de respeitosa reverência. Deitei a elucubrar pensamentos: é tão bela que até os cachorros a veneram. Estático, estava ali no chão do saguão das Barcas o melhor amigo da Bela e me ensinava lições. A vida é bela. Só não vê quem tranca a janela da vida.

ALEX GUIMA
Enviado por ALEX GUIMA em 30/06/2006
Reeditado em 30/06/2006
Código do texto: T184954