OS DIREITOS AUTORAIS DE PAULA JÉSSICA
Certa noite, ouvi e depois li e reli, exultante, uma historinha contada em forma de poesia, em cujos versos iniciais tinha “um menininho e uma menininha, que eram crianças estudiosas. Aí, eles cresceram e foram muito felizes”. Querendo saber por que foram felizes, recebi uma réplica simplória e fulminante: “Claro que haveriam de ser. Preparam o futuro como é importante fazer”.
A historinha iniciou com simplicidade e realismo, abordando valores importantes, como educação e planejamento social. A seguir, voltou-se para o romantismo, mas sempre almejando um futuro garantido, numa equilibrada fusão entre o racional e o lírico, assim descrita: "Dois namorados se encontraram e foram passando muito alegres os seus dias. E juntos forram firmando um futuro de garantias”. O resultado do encontro entre os dois protagonistas foi narrado com rimas pobres, mas com mensagens ricas de confiança e nobreza: “A mulher estava na praia e conheceu um homem lindíssimo. E eles se casaram. A noiva estava uma flor. E viveram bem confiantes na riqueza do amor”. O casamento foi abordado de maneira rápida, sem cerimônias, nem valsas tristes, no ritmo de uma festa dançante e saborosa: "Tinha doces deliciosos! Todos alegres dançaram. E arroz na despedida jogaram, quando os noivos viajaram”.
A historinha comparou o casamento à uma doce viagem no reino da alegria. Mas, com a lembrança dos escândalos ocorridos no Reino Unido, entre o Príncipe e a Princesa de Gales, divorciados algum tempo, após o “casamento do século”, questionei as razões de tantos conflitos e prejuízos psicológicos e/ou materiais entre cônjuges do mundo inteiro. Foi no epílogo da historinha que recebi um esclarecimento sobre o assunto, sob as formas dos seguintes versinhos: “Todos nós temos defeitos. Ceder também é preciso. Se cada um ceder um pouco, ninguém terá prejuízo”.
Quem teria reduzido, em meia dúzia de parágrafos poéticos, uma historinha pueril, porém gigantesca, segundo a minha ótica de crítico amador, de lições sobre valores familiares e educacionais? Que imaginação doutrinária foi capaz de comprovar poeticamente que, através da solidariedade e do respeito é possível introduzir a paz e banir a infelicidade e a frieza de alguns lares? Eis o que dizem os versos finais: “Do respeito vem a paz, a compreensão e o calor. E alegria só existe num lar cheinho de amor”.
Quem teria criado uma historinha poética tão resumida e, no entanto, tão ilustrada de estímulos geradores de indagações, raciocínios e respostas abrangentes e esclarecedoras? Indaguei à Paula Jéssica de que livro ela havia copiado aquela historinha tão linda que acabara de ler para mim. E ela, com um olhar sincero, já meio impaciente, e decepcionada pela minha insistência em negar-lhe os direitos autorais, fitou-me resoluta e respondeu: -“Pôxa, pai, eu já lhe disse que inventei essa historinha ontem a noite e só não lhe mostrei logo por que tive que passar a limpo”. Ao dizer isso, entregou-me uma folha de papel e calou-se mais entristecida que zangada, com a minha descrença na sua capacidade criativa. Vislumbrei a Via Láctea nas palavras organizadas carinhosamente por sua mãozinha querida.
Li e reli, fantasiado de “Sherlock Holmens”, a historinha suspeita. Encontrei alguns erros de acentuação e composição nas palavras também (escrita sem o devido acento), compreensão e lindíssimo (escritas respectivamente “comprienção” e “lindícimo”). Por fim, com os meus botões, legitimei a autoria e os méritos da historinha àquela injustiçada criança de oito anos de idade, que permanecia de pé, firme, forte, consciente e inocente, diante de mim, a espera do veredicto. A historinha é interessante – refleti – mas possui alguns defeitos gramaticais a serem corrigidos. Olhei para a pequena autora e, quando iria corrigi-la, lembrei que: “Todos nós temos defeitos. Ceder também é preciso. Se cada um ceder um pouco, ninguém terá prejuízo”.
Tive que ceder muito para reparar os meus próprios defeitos e reconhecer o erro que cometi, ao duvidar da imaginação, da inteligência e da capacidade criativa de minha filhinha. Deixei para corrigir outro dia os seus defeitos de gramática. Inspirado na sua historinha poética, procurei corrigir imediatamente os meus defeitos de pai. Arrependido, procurei resumir, num abraço apertado e num olhar carinhoso, o meu incentivo ao seu pequeno grande trabalho, reconhecendo e valorizando os seus direitos autorais. Assim, pude ler, em seus olhinhos radiantes, as sinopses de outras historinhas encantadoras...
Paulo Marcelo Braga
(Belém, 05/01/1995)