SÉRIE: MULHERES DO BRASIL – A SÉRIA

A conheci numa bela manhã de sol. Fui levar um trabalho de literatura para meu filho na escola. Ele o havia esquecido em casa e estava com receios de perder pontos. Quando a porta da sala de aula se abriu, deparei-me com aquela figurinha séria, compenetrada, responsável, que dominava como ninguém a disciplina que lecionava, mas que também tinha pulso suficiente para controlar os alunos rebeldes dessa geração “to nem aí!”.

Nana, como aprendi a chamá-la, pois sua suavidade e leveza pediam um diminutivo carinhoso, era uma mulher simples, nova, recém-formada em Letras e que gostava tanto da vocação que tinha, que por isso mesmo se embrenhou resoluta na aventura de fazer uma pós-graduação, mesmo sabendo que tudo aquilo seria loucura: cuidar da casa, lecionar à tarde, estudar à noite...

Quando olhei, pela primeira vez, para aquela jovem esbelta, quase magra, que veio até a porta me recepcionar, tive a impressão de já tê-la visto antes. Era um tipo físico comum, mas possuía um toque especial que me seduzia. Talvez fossem seus lábios, lindos e sedutores, que se destacavam numa face pequena. Mais tarde, conclui que ela me fazia recordar as protagonistas francesas de romances da Belle Époque, da virada do século XIX para o XX, que fizeram o meu gosto de leituras na adolescência.

Não tinha muita certeza se ela ia gostar desta minha comparação – pois sendo formada em Letras, era versada em muitos saberes – mas, apropriava-me da doçura, da delicadeza, da classe e da elegância que as francesinhas me passavam, pelas personagens que conheci, para retratar Nana.

Mulher de vestes simples e de poucas falas, na altura de seus vinte e quatro anos, Nana esbanjava sabedoria, mas possuía uma personalidade firme, convicta que era de seus afazeres. Tinha uma agenda muito assoberbada e precisava desempenhar-se com extrema agilidade para dar conta de todos os seus compromissos.

Aí estava seu principal traço: era uma mulher séria! Nana não tinha tempo para perder. E, por conta disso, tornava sua vida muito corrida, muito agitada, dando conta de muitas situações que nem todas as mulheres estão sempre preparadas para desempenhar. Mas Nana sabia o que queria da vida. Por isso, já podia ser considerada uma vencedora por antecipação.

Por ser professora, Nana também gostava de poesia. Era uma poeta de exímia capacidade. Mas, por ser uma mulher séria, tinha plena consciência de que a vida seria ótima se fosse apenas inspiração. Os afazeres do cotidiano, porém, não deixavam que transcorresse dessa maneira. Ela tinha que cozinhar, arrumar a casa, trabalhar e dar conta das múltiplas atividades escolares: de seus alunos e de si mesma! Segundo suas próprias palavras: “faço milhões de coisas com a precisão de um relógio.” Ela tinha consciência de que não podia falhar! Por isto, era muito séria...

E nesta seriedade, coloquei como desafio arrancar um sorriso da moça. Dei um jeito de conseguir através de meu filho seu msn e, numa bela tarde, iniciei um bate papo com ela. Com muito custo a convenci a ligar a web-cam. E lá estava ela, simples, séria, fazendo o que? Tomando um delicioso chimarrão em sua cuia trabalhada à mão...

- Quer?

Foi o máximo que ouvi dela, de mais amistoso, pois aos meus questionamentos respondia monossilabicamente, dentro do perfil que compunha sua personalidade. E comecei a bolar um plano de arrancar-lhe um sorriso. Seria o máximo isso! E inventei mil histórias e cerquei-a de todos os lados e fiz bajulações e até risos e caras e bocas fiz na câmera para ver se lhe arrancava um sorriso e não funcionou.

Até que... Até que no meio de nosso papo surgiram as figuras emblemáticas de Paul Valéry, Thierry Maulnier e Micheline Tison-Braun. Aí ela se encantou. Com o encantamento, veio o sorriso. Sorriso simples, meio disfarçado, mas um sorriso lindo naqueles lábios de amor. Ganhei o dia!

ALEX GUIMA
Enviado por ALEX GUIMA em 14/06/2006
Reeditado em 16/09/2006
Código do texto: T175298