PROSA DE DOR
Dor?
Que dor? Mesmo se tivesse, negaria até o fim diante do mundo.
Dor eu tenho sim, doutor. Dor é como segredo, todo mundo tem um. Aposto que o doutor tem aí dentro uma mão cheia de dor. É assim mesmo, quem não tem que atire a primeira pedra, assim mais do que acertar a pecadora, passa a ter uma nova dor... a dor da raiva.
Pois é, dói nascer, crescer, amar, acordar, dormir, odiar. Tudo dói nessa vida. E dúvido que o doutor tenha remédio para qualquer uma dessas dores. Com todo respeito, o doutor sabe curar um monte de dor, mas é dor do corpo, não da alma.
A dor que me traz aqui até o senhor, sei que tem remédio, esse meu calcanhar... como? Tendi o quê? Tendinite? Cada dor tem um nome né? Deve ter um remédio pra isso... tem? Ainda bem. Porque pra dor que tem remédio, pronto, tá resolvido... pra essas tantas aí que falei por senhor, essas a gente convive, acalma elas com o dengo da patroa, com a cerveja, os amigos, o futebol, a igreja. Não, não, o senhor não se preocupe, não bebo todo dia não, só de vez em quando... porque se beber demais, a patroa reclama e aí é dor que não acaba mais... Igreja? vou de vez em quando, não gosto muito daquela gritaria, desespero... e na católica me dá um sono...
Obrigado doutor, vou tomar esses remédios, essa dor eu tiro de letra, o resto eu vivo...