Contos uivantes 1
Às sombras azuis das árvores velhas, numa noite cheia de lua,
sob o topo de uma montanha transformada,lambia-me as faces róseas um vento constante, uivante, viajante.
No luar meu espelho, assistia jornadearem meus passos errantes escorados às muletas que a vida, absurdamente misteriosa, emprestara, numa época passada, tateada, amassada e resgatada no pico dos montes uivantes.
Meus cabelos de ruivo amante, ao sabor da brisa ventaram,
e ao longe entardeceram as paixões dentro de mim,
mas me deixaram sozinha, neste redemoinho de fotos amareladas, perto do anoitecer, que tantos amanheceres calou.
Heropína, guerreira ou derrotada e desolada, recapitulando no frescor deste vento uivante, meus gritos, que
agora ressoam taciturnos no peito do mundo,
que os roubou das minhas entranhas e a mim restam as areias ventadas contra o anil celeste,bem celeste e bem anil, banhando a prata que já sou.
Vida perigosa, peregrina, vulnerável ao vento uivante,
arrasa e mata para renascer e reflorescer das cinzas ventadas um fênix,que arrasta sua longa barba prateada na borda recheada de lembranças.
Mui perigosa esta vida docemente trágica, onde ninguém é plenamente liberto por se acorrentar conscientemente a uma época de sofrimento ou de felicidade,confinando-se à solidão, porquanto a vida do passado jamais poderá ser partilhada com o presente.
Já se faz tarde contudo, árvores de almas meigas abertas aos céus, olhos semi-cerrando, pretendem sonhar no meio do sono relaxante, embaladas pela melodia uivada pelos ventos felizes,e minhas folhagens lavadas pela lua de noiva vão relaxando amorosamente a nostalgia fatigada...
...entretanto, ainda não é o pó no pó.
E de alma em punho,muita coisa farei acontecer,
porque flui sangue nos meus rios que vão encontrar o mar, para o beijo eterno, e porque o deslumbrante desta vida é saber que as pessoas nunca estão terminadas, vão sempre mudando e se aprimorando.
Santos-SP-05/04/2006