Dor Entorpecente
Aquele homem teria por volta de trinta e poucos anos, mas sua fisionomia triste e carregada de vazio fazia-lhe velho. Branco de estatura mediana, cabelos longos, crespos e embaraçados.
Sentou-se a mesa no canto próximo à parede e pediu uma bebida, um trago forte para anestesiar-lhe o dia.
Ouvia música com fones de ouvido, mas em um volume tão alto, que no salão todos poderiam até dançar.
Em certos instantes olhava o nada, outros fechava os olhos sacudindo a cabeça e o corpo desajeitadamente talvez tentando acompanhar o ritmo da música.
Aquele momento era só dele e não se importava com o vai-vem das pessoas e com o que elas falavam. Algumas o olhavam com um ponto de interrogação nos olhos, comentavam algo e ele nem percebia.
Outro copo, depois mais um. Demorou ali por volta de hora e meia. Naquele mundo tentava esconder-se de si mesmo.
Do canto eu observava aquela face entristecida, quem sabe o que estaria passando naquela cabeça e o que estaria vivendo aquela vida.
Um misto de dor e indiferença pairava sobre ele e o álcool lhe ruborizara a face alva.
Não sabia o que fazer com as mãos e então teceu duas tranças nos cabelos longos. Ficou estranho, mas engraçado. Continuava pouco lhe importando a opinião dos demais presentes.
Foi então que se levantou e cambaleando caminhou até o balcão para pagar sua anestesia temporária.
Eu continuava olhando. E também doía em mim. Indaguei então:
Quem de nós seria o mais covarde?
Ele por esconder-se da dor atrás do copo de bebida ou eu por regar com meu copo de lágrimas as flores nascidas sobre o jazigo do amor que acabei de sepultar?