Neurose
O mundo está mesmo do avesso. Ninguém mais tem controle de nada ainda que tente controlar tudo.
Escravos do relógio e de um milhão de tarefas quase impossíveis de serem cumpridas no prazo estabelecido.
Foi-se o tempo em que se tinha tempo pra uns minutos a mais de preguiça na cama ou no corredor que separa sua mesa de trabalho da mesa do seu amigo onde há algum tempo atrás falavam amenidades, contavam piadas, só pra descontrair um pouco.
Certamente você também usa aquela uma hora de merecido intervalo que ainda é chamada de hora de almoço, para engolir qualquer coisa em menos de quinze minutos e usar os outros quarenta e cinco para cumprir tarefas de cunho particular, impossíveis de fazer em horário de trabalho e depois do horário comercial.
E na sua mesa acumulam-se metas e cobranças. O telefone não dá trégua e sua impressora enguiça bem na hora de entregar aquele relatório.
Se o colega ao lado não mencionasse que tinha de comparecer à reunião na escola dos filhos no final da tarde, sequer você se lembraria da reunião com o pessoal da reengenharia de custos, o que poderia lhe custar o pescoço e o emprego.
Lá pela quarta-feira você já espera ansiosamente a sexta e os ponteiros do relógio parecem amarrados com cabo de aço. Pede a Deus para que o tempo passe depressa, pelo menos o final de semana vai lhe trazer uns instantes de paz.
Quase no final do expediente, em sua caixa de e-mail chega uma mensagem do setor da produção. Aquela mercadoria de milhares de reais não será entregue no prazo prometido e aí, lá vai você enfrentar o cliente do qual o negócio depende diretamente do cumprimento do prazo prometido por você, já esperando que a conversa não seja das mais divertidas. O cliente sempre continuará a ter razão.
Até que enfim é hora de ir pra casa. Ah o descanso esperado. Um bom banho, minutos de relaxamento em frente à TV.
Antes de apanhar o carro no estacionamento percebe que o céu foi generoso e mandou uma chuva daquelas pra amenizar o clima seco.
Se fosse só isso...
O trajeto até sua residência demora em média vinte minutos, sem trânsito. Aliás, você já nem se lembra quanto tempo faz que não chega em sua casa em vinte minutos. Quando olha a sua volta, parado em uma fila imensa esperando o semáforo cumprir sua missão, percebe que os carros ao seu redor se multiplicam. Não se sabe onde começa e onde termina. Tem sempre o apressadinho que mete a mão na buzina. Tem aquele que canta desvairadamente e parece nem se importar. O casal que briga e a mãe que tenta controlar os três filhos no banco de trás.
Qualquer tentativa de mudar de faixa gera um transtorno. Os corredores entupidos de motos, que por sua vez também ressoam suas buzinas pedindo para desobstruírem a passagem que lhes pertence. Pertence?
É o fim do mundo! E você novamente lembra-se Dele:
Ah meu Deus... Deus? Deus?
Mais de meia hora parado... Cansaço, chuva, gente maluca... Barulho!
Acho que Ele não ouve mais.
Se ao menos parassem de buzinar...