E ACABA COM ISSO/O DIA EM QUE A BOLA PAROU

E ACABA COM ISSO

O cachorro, Plutão, está visivelmente doente, mas o menino o afaga em seus braços como se ele fosse um pequeno Deus mutilado.

O menino coloca na vasilha do cachorro leite, biscoitos, pão, pedacinhos de carne fresca, e o cachorrinho nem toca na vasilha.

O menino vai ao veterinário que receita injeções, pílulas, pomadas, banhos, e o cachorro por sua vez piora.

O menino leva o pobre cão até a igreja para que o padre reze no animal.O padre recomenda, inclusive, missa. Em vão, o cachorro não reage.

O menino, triste, volta para casa e resolve levar o seu bicho de estimação até a casa de mãe Zeza, rezadeira famosa da região. Mãe Zeza reza, passa o ramo, e o cão nem se move.

O menino pensa em levar o animal para São Paulo, talvez, lá, algum veterinário internacional cure Plutão.

Mas a viagem é cara e seus pais não têm dinheiro para dispender com o translado.

Outro menino, malvado, diga-se de passagem, vendo seu colega naquela lamúria toda com o cachorro no colo diz: joga logo essa imundície debaixo de uma caminhão,sô! E acaba com isso...

NO DIA EM QUE A BOLA PAROU

Dia de final do campeonato nacional de futebol.

Fora do estádio, já houve conflitos entre torcedores das duas agremiações. Os ânimos estão exaltados de ambos os lados.

Conforme informativos das emissoras de rádio e televisão, todos os ingressos foram vendidos. Alguns cambistas foram presos ( por quê nunca se descobre qual a origem dos ingressos que os cambistas vendem no paralelo?).

Os dois clubes entram em campo de mãos dadas; em tempo de guerra permanente, um gesto de paz pode ajudar.

Começa o jogo. Os times não se estudam, partem logo para o ataque. Primeiro tempo encerrado: dois a dois no placar.

Começa o segundo tempo. Os jogadores, apesar do calor excessivo, correm como se disputassem uma final de copa do mundo. As torcidas vão à loucura total.

O placar já mudou mais uma vez, três a três.

Vinte e cinco minutos do segundo tempo, os times, pelos seus desempenhos, querem evitar a tão sofrida e injusta dispusta nos pênaltis.

Quarenta minutos do segundo tempo, a bola alçada de um escanteio descreve uma curva incomum (como se estivesse sobre a ação de algum espírito) e diante dos olhos e corações aflitos dos jogadores, inexplicavelmente, pára no ar sobre a pequena área, e lá permanece, como uma cena congelada na tela plana de um computador.

Comentaristas de futebol, cientistas, artistas, vendedores ambulantes, meteorologistas, policiais, ficam sem saber como entender tal fenômeno.

Eu, particularmente, acho que a bola, de tanto ser maltratada pelos pernas-de-pau contemporâneos, resolveu protestar parando no ar, e permanecer por lá, intocável e longe dos bicos das chuteiras.

E assim, a bola, namorada de todas as artes, entrou para o rol dos personagens da música “o dia em que a terra parou”, do nosso mestre compositor Raul Seixas.

CAIO DUARTE
Enviado por CAIO DUARTE em 28/10/2008
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