Mulheres- solidárias com as traídas

Ele jamais deixava de visitá-la, pois nutria por ela uma afinidade que ia além do respeito, invadindo -sem cerimônia- aquela zona das brincadeiras e das gozações, só permitidas aos grandes amigos.

Dona Elisa, gritava sem parar que já estava indo abrir a porta, enquanto Sombra também batia sem parar, para deixá-la um pouco mais nervosa do que já era normalmente, sabendo que a aflição iria tomar conta daquela pobre alma solitária, que era sua tia querida.

Esbaforida, abriu a porta, já falando:

- Peste, assim me deixas nervosa!

Soltando, em seguida, uma deliciosa gargalhada.

Sombra entrou, depois de lhe dar um longo abraço, perguntando sobre a sua saúde, pois, passada que estava dos oitenta, sempre tinha uma dor aqui outra acolá, embora, muito vivaz, possuidora que era de uma memória prodigiosa.

Dona Elisa, filha mais velha dos avós de Sombra, solteira, cheia das manias...

Extremamente cuidadosa com a sua higiene pessoal, diria até, além da conta, necessitava de duas toalhas para se enxugar após o banho; uma para a parte superior, outra para a parte inferior de seu corpo.

Dona de alguns dotes culinários, que, provavelmente, herdara de sua mãe, fazia um queijo de coalhada inigualável, que sempre o deixava com água na boca, e, uma bala de mel, simplesmente deliciosa.

Enquanto ela passava um café, Sombra comia umas torradas com o delicioso queijo de coalhada, contando as novidades para Dona Elisa; que queria saber de tudo, nos mínimos detalhes.

Porém, por um momento, ela interrompeu a narrativa de Sombra e lhe perguntou:

- Você tem visto o meu irmão David, que já não aparece por aqui há

um bom tempo?

Sombra, não resistindo a tentação, resolveu fazer uma pequena brincadeira com sua tia, dizendo-lhe:

- A senhora não soube?

- Soube do quê?

- Do tio David.

- Aconteceu alguma coisa com o David e não me contaram?

- Olha tia, se não lhe contaram é porque não queriam lhe preocupar,

então, eu também não vou contar. Falou Sombra num tom grave.

- De maneira alguma. Você não sai daqui sem antes me contar tudo.

Falou isso enfatizando cada sílaba pronunciada.

- Mas tia, pegue o telefone e pergunte para a minha mãe.

- Não, de jeito algum. Tenho certeza que ela não vai me contar

nada.

Sombra pegou o telefone, ligou para sua mãe e disse:

- Mãe, a tia Elisa quer lhe perguntar uma coisa, passando o telefone,

imediatamente, para ela.

- Fany, boa tarde. Eu queria saber se aconteceu alguma

coisa com o David?

Depois de um tempo desligou o telefone, dizendo:

- Está vendo só! Ela falou que não aconteceu nada. Você terá

que me contar tudo, e, por favor, não me esconda nada.

- Tia, eu vou contar, mas se alguém souber disso, eu estarei

frito, portanto, sigilo absoluto.

- Juro por Deus que não abrirei a minha boca, ela prometeu como se fosse possível -para uma mulher normal- deixar de falar sobre um assunto tão interessante, inusitado para a época, e, acima de tudo, muito emocionante.

Percebia-se, nitidamente, que a curiosidade estava lhe corroendo por dentro, mais ainda que a própria preocupação com o irmão.

Sombra então, num gesto de extrema magnanimidade, resolveu inteirá-la do "assunto", matando de um só golpe a sua curiosidade:

- O fato é que o seu querido irmão David, apaixonou-se

perdidamemente, por uma moça bem mais jovem que ele.

- Isso não pode ser verdade! exclamou abismada. Coitada da Lúcia...

Mas você tem certeza do que está falando?

- Absoluta. Ele não tem vindo aqui porque foi morar com ela noutra

cidade.

Dona Elisa arguia o descarado do Sombra, olhando-o de soslaio, tentando perceber algum sinal de zombaria, mas, frio como o gelo, contendo-se para não soltar uma tremenda gargalhada, continuava enrolando a pobre coitada, que já não sabia o que fazer, nem o que sentir.

Até que, dando-se por vencida, acreditando na história que Sombra lhe contara, soltou o seguinte comentário:

- Olha, vou te confessar uma coisa: Esse meu irmão nunca foi " flor

que se cheire".

Vejam que ela resistiu -bravamente- por quase uma hora, antes de entregar o próprio irmão às garras da maledicência, unindo-se à dor de sua cunhada, pela qual não sentia nenhuma simpatia.

Naquele dia eu entendi, perfeitamente, que as mulheres, em geral, são exatamente como os mineiros: " Solidários no cancer". No caso delas... "Solidárias com as traídas".

Alterei o título e a expressão final, pois julguei o comentário da Maria Quitéria, pertinente... Os homens não são teimosos...rsrsr

Aimberê Engel Macedo
Enviado por Aimberê Engel Macedo em 15/10/2008
Reeditado em 18/10/2008
Código do texto: T1229756
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