Dois quarteirões
Dois quarteirões
Oito horas. Hora da decadência. Estou saindo do trabalho e sigo para minha casa. São dois quarteirões para chegar lá. Paro em uma conveniência para comprar um maço de cigarros. A santa do caixa me rouba dez centavos numa cara-de-pau digna de todo comerciante emergente. “Obrigado.” Digo a ela ironicamente.“Obrigado, você,” Responde ela sem perceber o meu protesto. “Acabei de deixar a vagabunda dez centavos mais rica. Quantos otários como eu caem nessa por dia?” Penso.
Saio da loja. Acendo um cigarro. “Essa porra um dia vai me matar”, continuo a andar. Passo em frente a um boteco e vejo duas putas decidindo quais bêbados irão faturar para arrumar uma carona para casa. Do outro lado da rua um bando de mendigos se junta para se aquecer, debatem calorosamente sobre algo que não entendo. “Como a vida que te leva de um lado pro outro da rua? Uma hora piranhas no seu pé, na outra, apenas amigos decadentes e pinga barata.”
Continuo andando. Mais a frente, uma lojinha está aberta. É um cabeleireiro, Rogério, travesti conhecido por seus cortes de cabelo gratuitos. “Sei. Nada vem de graça nesse mundo. Nem toda moeda de troca costuma ser dinheiro”
No meio do quarteirão passo por uma igreja vazia, Adventista do Sétimo Dia. “Para eles deus existe somente nos dias de sábado e nas transfusões de sangue. Bem que ele podia arrebatar essa laia toda e deixar o mundo em paz sem seus gritos frenéticos”.
Chego à encruzilhada da minha casa. Tem outro templo evangélico na esquina. “Impressionante como existem igrejas e botecos, crentes, alcoólatras e crentes alcoólatras no mundo.” Uma moca risonha me convida para entrar. Sigo. Não tenho tempo pra deus agora.
Numa outra esquina, o comitê do partido político do prefeito da ocasião, coronel alguma coisa, hoje estão ouriçados, discutem os rumos políticos da cidade e como comandar essa massa ignorante. “Nem perco meu tempo escolhendo em qual mentira acreditar, anulo logo meu voto. De todas as medidas sem solução, essa me parece a melhor.”
Meu cigarro acaba e, como de praxe, solto uma tosse de cachorro moribundo. Estou no meio do quarteirão da minha casa. Onde mora minha vizinha coroa. Eu a comprimento. Ela responde. “Um dia eu pego ela, antes que ela precise de frauda geriátrica.”
Mais alguns passos, portão do lote de minha casa. Entro. Sigo pelo quintal. Porta da casa. Entro. Tudo escuro. Ligo as luzes. “Querida, cheguei”. Nenhuma resposta. Estou sozinho. Quase havia me esquecido que Ana foi embora com sua melhor amiga. Tudo bem, já passava da hora mesmo. Ligo o som, Ella Fitzgerald. Acendo um baseado, foi um dia difícil e essa é minha contribuição para dar emprego às criancinhas do trafico. Ligo o DVD, ponho um pornô pra rodar, acabo me masturbando vendo um ator pegando um travesti. Bizarro, mas excitante. Durmo. Amanha vai ser um grande e tedioso dia. Sempre é.