"A MADAME E O MOTORISTA"
Eles conheceram-se nos anos setenta, num daqueles bailes memoráveis onde predominavam músicas românticas e um pouco de "rock in roll". Namoraram, casaram-se e do fruto dessa paixão nasceu um casal de filhos.
Vivendo numa cidade grande, eram tidos como uma típica e bem estruturada família da alta sociedade. O marido, um grande homem de negócios, milionário; a esposa, cercada de tudo o que o dinheiro podia comprar.
Apesar de toda ostentação, um detalhe chamava a atenção dos mais próximos: já não faziam-se felizes como no começo da vida conjugal.
Dentre os vários carros que possuíam, ela gostava mais de um BMW, último modêlo, côr prata, vidros escurecidos, pois ele garantia uma certa privacidade em seus passeios fora da mansão.
O marido, por sua vez, pra agilizar os empreendimentos, deslocava-se de helicóptero. Claro, ele era o próprio pilôto, sua personalidade não permitiria que fosse diferente.
Via de regra, apenas compartilhavam de reuniões e festas sociais, movidos somente pela necessidade de apresentarem-se como um casal bem sucedido, afinal não viviam mais a paixão dos primeiros tempos.
Fora esses raros momentos de companheirismo, quem acompanhava a madame ao dentista, às compras, aos passeios, era José, o motorista. Ele era um homem de pouco estudo, que por força da sua profissão, tornou-se um perfeito cavalheiro. Já estava servindo a família por quinze anos. Continuava solteiro e estava sempre por perto.
Quando um cisco irritou os olhos dela, provocando uma lágrima, foi José que, parando o carro, tirou do bolso um lenço e, sem estragar a maquiagem, delicadamente enxugou aquele rosto que estava ha tanto tempo acostumado a contemplar.
Todas as vêzes que estacionava o carro a pedido de Raquel, ele rapidamente contornava-o e gentilmente oferecia a sua mão, acompanhando-a em segurança até o passeio.
Certa ocasião, quando Raquel, ao brincar com seu cachorro, torceu o pé, José fez-se presente, conduzindo-a várias vêzes em seus braços, ao pavimento superior da imponente mansão.
Motivada pela amargura da solidão e pelas inúmeras viagens que fizeram juntos, naquele carro, ela foi abrindo aos poucos o seu coração para o cortês motorista.
José foi tendo a oportunidade de contar também sua história de pessoa que vêio de uma pequena cidade do interior. Pôde falar de todas as suas carências e de seu pouco estudo.
Diante desse cenário, nada mais natural que o brotar de uma confiança mútua, que fortaleceu-se com o correr do tempo.
Hoje, depois de tantas idas e vindas, sempre contando com a atenção de seu fiel interlocutor - coisa bem recente, poucos dias - Raquel voltou a sorrir.
Agora, sempre dentro do horário, sem alterar a rotina, entre as infinitas ausências do marido, com total discreção e sem suscitar a menor suspeita, esse BMW, jóia da modernidade, interior confortável, vidros escuros, é o palco da expressão maior da vida. É testemunha de como é fácil ser feliz. Prova de que o amor existe, pois dentro dele desenrola-se uma grande amizade, uma louca paixão, entre a "Madame e o Motorista".