Do pó ressurge um guerreiro
Num sábado qualquer de minha vida, saio de casa cedo para receber uma divida de um antigo emprego. Parti de trem; durante o caminho refletia sobre a semana ruim que tive que não vem ao caso (deixo para outro conto), um verdadeiro pandemônio de emoções se passava em minha mente.
Cheguei à estação em que devo descer, o coração aperta causando um suspiro de ansiedade, estava nervoso, como já disse foi uma semana ruim, a ansiedade e o nervosismo se dão porque não sei como serei recebido, já fazia mais de uma semana que havia pedido demissão. Após uma breve caminhada e três andares depois chego a minha antiga rotina, uma breve nostalgia toma conta, mas tão breve quanto veio se vai, me dirigi até a recepção que estava vazia, logo escuto o meu nome vindo de uma voz doce e suave, me viro e vejo quem era, a recepcionista que se encontrava em uma sala antes da recepção por onde passei direto sem dar muita atenção para o que acontecia nela, segui até o bebedouro, tomeis dois copos com água, afinal foram três andares, alem disso aproveitei para me acalmar, volto à recepção que permanece vazia, o dono do estabelecimento adentra a sala, trocamos algumas palavras, que não me recordo muito bem, porem sei que foram mais do que suficientes para acender uma pequena fagulha de transtorno que mais tarde se tornaria algo que fizesse deste sábado qualquer o pior dia de minha vida.
Eu já vinha de uma semana de angustia e estresse, não precisava de motivo para explodir, por dentro eu já tinha deflagrado.
Assim que saiu da recepção, não vi mais o grande empresário, segundos depois entra a recepcionista, nos cumprimentamos, ela toma seu lugar na recepção, poucas palavras, eu estava abatido, não sei se ela percebeu também nem sei se deveria, peço a moça que pegue alguns pertences meus que ficaram no local, ela sai por um instante e retorna rapidamente com os objetos em mãos, assim que me entrega, interrogo sobre meu dinheiro, pergunto se vou receber, ela afirma que sim, pergunto se receberia naquele instante, ela, sem jeito, me diz que não, daquele momento em diante o pandemônio que antes era apenas um momento de reflexão volta a dominar minha mente, sai cego, sei somente que tratei mal a recepcionista que somente trabalhava, transtornado fui embora do prédio.
Desnorteado, sentei em um bar famoso na região, pensei em algo para beber, não pedi, preferi tentar me acalmar, liguei para a recepcionista e pedi desculpas pela grosseria que acabara de cometer, a garota me desculpou e disse que me entendia. Sei que não me entendia, como pode me entender? Ela viu minhas crises de choro? Minha tristeza profunda? Ela sentiu minha angustia? Ela sabe das minhas dividas?Alias como poderia me entender se eu não me entendo.
Durante vinte anos eu achava que tinha tudo, eu realmente acreditava que era feliz, uma família que me ama e que nunca me deixou ou deixaria faltar nada materialmente ou emocionalmente, é por esta família que eu sou e é por esta família que eu tenho, conhecidos eu tenho muitos, contudo são poucos os que posso chamar de amigos, conto nos dedos de uma mão, esses eu posso chamar de irmãos e com certeza fazem parte da minha família. Eu não sei o que é amor entre homem e mulher, nunca havia encontrado alguém que me fizesse sentir algo alem de atração física, ou que apenas pudessem me inspirar em minhas poesias, quem dirá uma que me fizesse os dois, nunca se quer olhei para uma mulher e me imaginei namorando, noivando, casando e tendo filhos com a mesma, longe de eu tornar-me uma pessoa responsável nesse sentido, quem me conhece sabe disso. Sou um libertino, sou da noite como poderia me prender a alguém fantasiando envelhecer junto com essa pessoa, e o pior só com uma pessoa.
Pois bem, naquele bar, me coloquei mais uma vez a refletir sobre o que eu queria pra minha vida, quando me fiz essa pergunta, bateu um desespero tão grande que as horas passarão que nem me dei conta. Daí em diante o que eu fiz foi dominado por meus malditos pensamentos.
Volto a ligar para a recepcionista, e sem dar tempo a ela pedi que apenas me ouvisse:
- Oi, é o Rafael, não fala nada tah?
- Rafa, aonde você esta? – recepcionista (é o que me lembro dela dizer)
- Não fala nada, apenas escute. Quero dizer que você é o amor da minha vida, eu quero você junto de mim para sempre, sei que eu nunca terei você ao meu lado nessa vida, é por isso que hoje eu vou resolvê-la. Só gostaria que você soubesse disso.
Desligo o celular decido a dar um fim nos meus problemas, peço uma dose de conhaque, a primeira desce amarga, nas duas próximas já não podia mais sentir o álcool.
Liguei para minha casa, queria falar com meu pai, mas quem acaba atendendo é minha mãe, também não me lembro do teor da conversa, mas sei que a deixei chorando mais uma vez do outro lado da linha.
Na quinta dose e depois de ter deixado mais pessoas preocupadas em relação ao meu paradeiro, o celular toca, o numero é de minha casa, temo que seja novamente minha mãe, mesmo assim resolvo atender, um segundo de silencio e meu pai fala meu nome, digo onde estou e que quero que ela me encontre. Não tenho certeza do tempo, mas acho que ele chegou rápido, caminhou até mim, pude olhar nos seus olhos sofridos que eu lhe causava mais uma decepção, e pela primeira vez eu me sentia envergonhado, como me tornei uma pessoa ruim, quando isso aconteceu?
Ele insistiu para que fossemos embora, eu insisti para ficarmos, doses, muitas doses de conhaque depois, o desespero ainda não havia passado, lembro que fomos a outro bar, ele tomou algumas cervejas comigo, completamente embriagado, ainda me levou a um restaurante, possivelmente era hora de almoço, não tive vontade de comer e também não tinha mais vontade de viver.
Voltamos para casa de taxi, eu não tinha condições de voltar de trem, ao chegar a casa me deparo com minha mãe aos prantos no sofá, não conseguiu olhar nos seus olhos, tentei dar à costa, mas ela me segurou com um abraço por trás, aquele abraço só me fez sentir pior, eu não queria deixá-la daquela maneira, muito mais do que uma questão de fazer coisas erradas era não medir suas conseqüências. Livrei-me do abraço e fui para o banheiro, me despi, abri o chuveiro e me deixei entrar debaixo da água gelada, desabei a chorar, chorava descontroladamente, só parei quando a insanidade começa a controlar meu corpo, saio do chuveiro deixando-o ligado para que ninguém escutasse o que estava pra fazer, alucinadamente procuro algo, encontro uma gilete, olho para o espelho esperando por uma interrupção, a primeira tentativa é contra o pescoço, passo a gilete de fora a fora, e só consigo um arranhão, o corte não sai tão profundo, ainda no pescoço, uma segunda tentativa, o corte foi profundo, mas não chego a passar pela veia.
Um sentimento de frustração, agora imperava na minha mente, não sei por que não tentei uma terceira vez, medo de dar certo talvez, volto paro o chuveiro, lavei o sangue que escorre pela minha garganta.
Ao sair do banheiro fui direto para o meu quarto, não queria ver ninguém, ainda tonto me vesti e cai na cama, enquanto as paredes giravam, eu retornava aos poucos a lucidez, no turbilhão de idéias que passa pela minha cabeça, decido que aquele dia, aquele sábado 20 de dezembro de 2007, foi o dia em que eu morri.
Morri para renascer.
Renascer uma pessoa melhor do que eu fui e melhor do que poderia ter sido. De hoje em diante com um sonho, com objetivos, com a força e frieza de sempre. Vou viver da melhor maneira possível.
Percebi que o verdadeiro fraco é aquele que se deixa dominar por seus próprios pensamentos. Por um instante eu fui fraco e isso quase acabo comigo, fui tão fraco que cheguei a dizer eu te amo para uma recepcionista.
Eu me perdi, eu estava sozinho, sozinho eu me achei e é sozinho que vou seguir meu rumo. Assim é a vida de um guerreiro, sozinho, controlando seus pensamentos e emoções sem se abalar com doces ilusões. A vida é real e eu gosto da realidade que ela proporciona. Gosto de ver a falsidade nos olhos de quem me odeia e seu cinismo de tentar esconder a demagogia de suas palavras imorais no mundo fantasioso em que vivem forçosamente mostrando os dentes, achando que eu os comprarei como cavalos pra andarem sob mim.
Não sou desse mundo e nem ando ao seu lado, estou pelo menos a dez passos a sua frente. Não adianta correr atrás.
Do pó ressurgi um guerreiro. Eu ressurgi, e agora quero ver quem me segura!