A viúva
E era assim numa quase rotina de todos os dias, fizesse sol ou chovesse demais, ela vai à igreja. Mal passada ou mais que madura, caminha lentamente arrastando o pé esquerdo tremendo um pouco de câimbra. O caminho. O mesmo caminho de sempre. Debruça o nariz ao passar pela padaria para só sentir o cheiro dos pães recém saídos do forno lambendo a salivação ao pensar na manteiga derretendo as beiradas da casca moreninha. Casas, casas e mais casas iam desfilando suas fachadas encobrindo as vidas tão diferentes que ela tenta adivinhar. Com um pouco de pressa de mais, atravessa a rua não querendo se contagiar com a culpa do inferninho onde meninas, cheirando sabonete vagabundo, permanecem sentadas nos degraus a rir algum sarcasmo. Sua cabeça corre corpos e camas e ela benze o pecado de saber pensar tudo aquilo sem ter feito com o marido falecido mais do que as pernas alcançavam levantar. Ajoelha no confessionário de não ter pecados, a não ser em pensamento, pede perdão por quase tudo que vê de contrário aos bons costumes, e paga sempre a mesma penitência de se achar quase santa. Volta para casa num aliviar mais um dia na santa benevolência do criador, desatravessa a rua, um tanto à frente da luxúria das meninas crianças e se tranca em casa a lembrar o cheiro do pão e dorme sonhando com o falecido sentado numa cadeira qualquer do inferninho, rindo a boca sem dentes para ela, que dança só de calcinha no palco da vida.