Quem será que vai primeiro?

 

 

             Meu pai tem essa mania,dizia Aurélia,todas as vezes que vê uma fotografia de grupos de pessoas, pergunta:Quem será que vai morrer primeiro destes aqui? Dizia e não cansava de repetir. E tanto repetia que eu nunca me deixei fotografar junto com ela, embora fossem freqüentes as ocasiões em que isso poderia ter acontecido. Eu dava sempre uma desculpa e finalmente já era consenso que eu tinha fobia em me deixar fotografar,com medo de que a morte se lembrasse de mim quando alguém fizesse essa pergunta. Com o tempo passou a ser verdade, eu evitava realmente ser fotografada, principalmente se estivesse em grupo.Procurei em meus álbuns fotos em que eu estava com outras pessoas e, retirei delas a minha imagem. Tornei-me completamente obsessiva, dava um jeito de folhear álbuns de familiares e amigos e aos poucos fui retirando todas as minhas fotos de circulação, exceção para as fotografias de documentos ou as que eu estivesse sozinha. Embora eu tentasse justificar, argumentando não ser fotogênica, o que realmente é uma verdade, todo mundo tirava o maior sarro, sabendo a razão. Afinal, é só uma pergunta, ninguém sabe quem vai morrer primeiro . Muita gente faz isso, tem essa curiosidade momentânea , é o que sempre me diziam.É claro que racionalmente eu tentava me convencer de que minha atitude não era compatível com minha maneira de pensar em relação a outros assuntos. Entre meus amigos e familiares sempre fui a mais racional e cética, costumava dizer: se eu acreditasse em santos, seria devota de São Tomé e essa obsessão incomodava mais a mim do que a qualquer outra pessoa, afinal não tinham que viver com isto todo o tempo.

 

           Bem, o tempo foi passando e eu acabei me acostumando com minha situação. Não me afetava mais porque eu me tornara exímia em fugir de fotos e quando em qualquer lugar em que eu estivesse surgia esse assunto eu o ignorava afastando-me e até fingindo que não tinha ouvido. Eu realmente não estava preparada para o que aconteceu. Soube que ele havia morrido através do telefonema de uma amiga comum e tenho que confessar: agora pelo menos ele nunca mais vai fazer aquela pergunta idiota, foi o que de cara pensei. Senti até um certo alívio quando me dirigi ao velório, como se, com a morte dele eu tivesse garantido a minha imortalidade. Um grupo  havia se reunido em torno de minha amiga, que estava de costas para mim. Fui me aproximando lentamente  e então ouvi “...vocês podem não acreditar, mas ontem  eu estava arrumando umas fotografias e essa aqui caiu no chão. Ele a pegou e disse: eu sei quem vai morrer primeiro aqui.Credo pai, eu falei. Vire esta boca para lá. Mas ele não parou e continuou. É a que está de pé. Perguntei se ele andava vendo fantasmas porque, como vocês estão vendo, nós quatro estamos sentadas. Ele riu e foi para o quarto repousar.Como não saiu para o jantar eu fui acorda-lo e o encontrei morto.” Eu me aproximei um pouco mais, chegando bem junto ao ombro dela e ruminando comigo mesmo.Bem feito, isso é que dá ficar azarando a vida dos outros.Realmente doutor, eu não estava preparada para o que vi. Ali estava ela, as minhas quatro amigas assentadas em um banco na Praça. E juro, havia uma quinta pessoa de pé, por trás do banco e essa pessoa era eu. E o senhor não queria que eu desmaiasse? E agora vem dizer que eu não tenho nada, que foi o calor, junto com a emoção pela morte do pai de uma amiga? De jeito nenhum eu saio daqui, enquanto o Senhor não achar uma doença em mim.Aquele velho danado não vai me levar com ele.