COMO NASCEM OS ERMITÕES...

Eu e minhas irmãs ficamos órfãos muito cedo. Eu com onze anos, minhas irmãs com dez e seis. Juntos conseguimos levar a vida por mais dois anos.

Nesse período nosso pai foi presente dentro do possível para a época, mas como tinha que trabalhar precisávamos nos resolver sozinhos entre ser criança exercendo também o papel de adultos. Eu por ser mais velho (mesmo sendo criança) assumi o papel de chefe da casa, mas hoje não pretendo entrar nos detalhes do que aconteceu nesses dois anos (e não foi pouca coisa). Vou direto para a fase onde seguimos caminhos diferentes.

Com treze anos segui por um caminho solo, sem deixar se ser presente com minhas irmãs, pai, amigos e muitos parentes. Durante anos sempre me dividi entre me sustentar e ajudar como podia as minhas irmãs. Também nunca deixei de procurar meu pai e outros tantos parentes que foram presentes na minha vida pela unidade que meu pai e meus tios sempre tiveram.

Nessas idas e vindas fui morar no interior e em alguns momentos minhas irmãs foram morar comigo. Sempre que podia vinha visitar pai, irmãos e parentes mais próximos.

Entre tantos perrengues fiz mais de cinquenta e quatro mudanças (Um dia entro pro Guinness Book) e em algumas delas acabei retornando para mais perto de todos. Sempre fui uma pessoa afetiva, amava a relação que meus pais e tios tinham uns com os outros, achava aquilo um ideal de vida, mas a vida, cruel que é, mostra pra gente, mesmo que lá na frente, que nem sempre corresponde às nossas expectativas... Sejam elas com pais, filhos, irmãos, amigos ou com quem quer que seja.

Resumo isso para dizer que com o passar do tempo passei a gostar da minha própria companhia e entender que sempre procurei estar e ter presente quem eu sempre quis bem mas, novamente, a vida vai mostrando o que a gente não quer ver e menos ainda sentir.

Com o passar do tempo, com a experiência adquirida, comecei a observar como as pessoas se relacionam com o “outro”.

É tão fácil ser cruel com palavras que parecem simples. É fácil rejeitar amor, amizade. A selva não é aquela da mata, ela existe em todos os lugares, mas principalmente dentro de nós.

Nunca fui de cobrar ações positivas que fiz, mas é bom ser lembrado que algum dia fizemos. Minhas duas irmãs me acordaram para isso e um dos meus irmãos também. Descobri um lado Ermitão e agradeço a todos por isso.

Uma de minhas irmãs me lembrou de um dia que a defendi e paguei um preço alto por isso (não vem ao caso a situação até por que foi coisa entre final de infância e pré-adolescência). Fato é que ela lembrou sobre uma passagem em que me viu sendo generoso por jamais ter falado ou cobrado pelo fato lembrado por ela e que nem era assim tão grave. E eu realmente nem mesmo lembrava até aquele momento, foi uma atitude que eu teria tido em qualquer situação. Isso me marcou muito e também me fez rever muita coisa positivamente.

A segunda situação aconteceu com a outra irmã (ela sempre odiou ser chamada de outra. LINDA!) um pouco mais nova. Morou comigo, sou padrinho dela e também do filho. Uma pessoa generosa, como também é a que relatei anteriormente. Com o passar dos anos se mostrou uma grande mãe e ser humanos. Ela me lembrou sobre uma frase que digo e que me acompanha faz muito tempo, mas nunca tinha soado tão forte na minha mente como naquele dia em que ela disse que me admirava por isso: “Se posso ajudar eu ajudo, se não posso não atrapalho”.

E por último, mas não menos importante, meu irmão mais novo fez um simples comentário durante um almoço (na verdade foram dois, mas esse me marcou mais para esse propósito de virar ermitão). Tínhamos um grupo de família onde deveríamos confraternizar e dividir o que fosse relacionado à família, mas alguns do grupo misturaram as bolas e começaram a postar questões políticas, também alguns julgamentos entre membros que podiam incluir ou excluir. Seguindo a premissa que minha irmã me fez lembrar, optei por sair do grupo... Confesso que não sei o que comentaram ou deixaram de comentar sobre isso, só sei que alguns acharam isso um absurdo. Mas, enfim, não briguei com ninguém, apenas me afastei do grupo e não dos membros dele individualmente.

Para não me alongar muito e fechar o propósito desse tema, lembro que durante o almoço com esse irmão ele me disse que uma de minhas irmãs, pelo mesmo motivo, também teria saído do grupo e todos eles se empenharam, de todas as formas, para que ela retornasse. Acho que com isso fico dispensado de comentar porque me ausentei mais ainda, afinal todos nós temos o direito de definir importâncias e prioridades na vida.

Em resumo: “Se posso ajudar ajudo, se não posso, não atrapalho...!”

Fiz minha parte e entendo que tenho créditos e débitos em todas as relações da minha vida. Hoje tenho plena consciência que aprendi a viver e conviver sem criar raízes, mas valorizando todas as pessoas que passaram pela minha vida de alguma forma, tenho certeza (e acredito nisso) que sempre deixamos um pouquinho por onde passamos e também levamos muito delas que nos ajudam a formar quem somos. Agradeço a todos e valorizo cada minuto e cada pessoa que encontro e me permite um abraço, um aperto de mão, uma conversa, um café e algum comentário, mesmo que algumas vezes eu não goste muito dele... Faz parte da caminhada.

Precisamos entender que na vida somos como “Produtos”, temos prazo de validade e quanto às expectativas precisamos corresponder somente as nossas com a gente mesmo. A dos outros é dos outros...

Ernesto Braga
Enviado por Ernesto Braga em 23/10/2024
Reeditado em 24/10/2024
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