As Janelas da Vizinhança

 

Juci abriu a janela logo bem cedo para observar o movimento. Senhor Alfredo indo passear com seus dois cachorrinhos, o Ernesto saindo para trabalhar, atrasado, ainda com um sanduíche na boca e a moça da casa rosa chegando num uber com um vestido preto colado ao corpo. 

Em um tranquilo bairro residencial, Juci era vista como a vizinha perfeita. Sempre disposta a ajudar, ela trazia bolos quentes para as famílias ao redor e cuidava dos animais de estimação quando alguém precisava. Mas por trás desse sorriso caloroso, Juci guardava segredos que ninguém poderia imaginar. Gostava de saber da vida de todos e de forma sutil sempre se meter nos assuntos alheios.

Certa manhã, enquanto regava suas plantas na varanda, Juci notou algo peculiar: uma nova família havia se mudado para a casa ao lado do Senhor Alfredo. O casal, Lucas e Ana, pareciam felizes, mas Juci percebia pequenas tensões entre eles.

“Oi, vizinhos!”  chamou, acenando com um sorriso. “Se precisarem de alguma coisa, é só avisar!”

Ana sorriu timidamente. “Obrigada! Estamos nos instalando ainda.”

Juci começou a observar discretamente suas interações pela janela. A curiosidade rapidamente se transformou em interesse.

Em um almoço casual que Clara organizou para o casal, ela perguntou: “E aí, Ana! Como vai o trabalho?”

Ana hesitou. “Na verdade… eu estou procurando emprego. Meu último projeto não deu certo.”

“Ah, que pena! Você parece tão talentosa! Lucas deve estar te apoiando, né?” Juci lançou a isca.

Lucas olhou para Ana e disse: “Claro que sim! Estamos juntos nessa.Juci percebeu a tensão entre eles.

Nos dias seguintes ela  começou a se intrometer de leve  na vida do casal. Em uma conversa na calçada, ela comentou: “Sabe, eu sempre achei que a comunicação é essencial em um relacionamento. Às vezes, é importante dar espaço para o outro.”

Ana franziu a testa. “Você acha? Eu tenho tentado falar com o Lucas sobre algumas coisas…”

“Talvez você devesse ser mais direta,” sugeriu Juci com um sorriso enigmático. “Às vezes as pessoas não percebem o quanto estão machucando os outros.”

Juci se deliciava com as pequenas vitórias — um olhar de desconfiança aqui, uma discussão acalorada ali. Um dia, enquanto conversava com Ana sobre os desafios da vida, ela lançou outra isca:

“Você já pensou em como ele reage quando você não está por perto?”

Ana olhou confusa. “O que você quer dizer?”

“Só estou dizendo que às vezes as pessoas podem ser diferentes quando estão sozinhas.   Juci respondeu com uma expressão de preocupação disfarçada.

A insegurança começou a crescer na mente de Ana. Uma noite, após uma discussão particularmente intensa entre o casal, Ana decidiu sair de casa para “dar um tempo”.

Era uma noite tensa. O clima estava pesado, e Ana tinha certeza de que algo precisava ser dito. Lucas estava sentado no sofá, com o olhar fixo na tela da TV, mas sua mente parecia estar em outro lugar.

“Lucas,” Ana começou, a voz tremendo. “Precisamos conversar sobre nós.”

Ele desligou a TV e virou-se para ela, com uma expressão cansada. “Sobre o quê? Sobre mais uma vez você se sentir insegura?”

“Não é só isso!” ela respondeu, elevando a voz. “Eu sinto que você não me escuta. Estou lutando para encontrar meu lugar aqui, e você parece tão distante.”

“Distante? Eu estou aqui todos os dias! O que você quer que eu faça? Dance para você?” Lucas disparou, frustrado.

Ana respirou fundo, tentando se acalmar. “Não é sobre dançar ou fazer show! Eu só quero que você me ouça de verdade. Quando falo sobre meu trabalho ou minhas inseguranças, você apenas desvia o olhar como se não importasse.”

“E quando eu tento conversar sobre o meu dia?” Lucas retrucou. “Você sempre está tão ocupada com seus próprios problemas que não percebe que eu também estou lutando!”

Ana sentiu um nó na garganta. “Mas você não entende! Eu estou lutando contra essa sensação de inadequação. E quando você não me apoia, isso só piora!”

Lucas se levantou, passando as mãos pelos cabelos em desespero. “E o que você quer que eu faça? Que eu te diga que tudo vai ficar bem quando não temos certeza de nada? Isso não é realista!”

“É realista reconhecer que precisamos um do outro!” Ana exclamou, lágrimas escorrendo pelo rosto. “Eu não estou pedindo por soluções mágicas, só quero que você esteja comigo nessa luta!”

Lucas olhou para ela por um momento, a raiva dando lugar à vulnerabilidade. “Eu… eu não sei como lidar com isso. Sinto que estou perdendo você.”

Enquanto Ana  caminhava sozinha pela rua escura, Juci observou pela janela e sentiu um misto de culpa e satisfação.

Mais tarde naquela noite, Ana voltou em lágrimas e encontrou Juci na porta.

“Oi… você está bem?” perguntou Juci com um tom doce.

“Não… tudo está dando errado,” Ana soluçou. “Lucas não entende o que eu estou paassando " 

Juci de imediato ofereceu um abraço reconfortante. “Sinto muito… você sabe que pode contar comigo para qualquer coisa.”

Mas no fundo do coração de Juci, havia uma dúvida inquietante: quem era realmente ela? A amiga preocupada ou a manipuladora solitária?

Naquela noite, enquanto consolava Ana e sorriam juntas sob as luzes da varanda, Juci percebeu que havia cruzado uma linha perigosa.A manipulação desfreiada ou bancar de gentil e boazinha. 

E assim continuou o jogo sutil entre as janelas do bairro — onde sorrisos escondiam sombras e segredos dançavam nas janelas tranquilas .

Ana Pujol
Enviado por Ana Pujol em 05/10/2024
Código do texto: T8166875
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