Espelho

Manhã fria novamente... Parece que as estações estão em conflito. Quando penso que agora estaríamos em um clima prazeroso de primavera, o outono se instala sem aviso.

Ao caminhar pelo bosque dos espelhos, sempre a sorrir, sempre a assentir, eu percebo que algo está diferente. Aquele espelho fraco e singelo, sempre ofuscado por tramas e chamarizes fabricados do inconsciente, se mostrava revolto.

Sim, sou um ser celestial sem corpo presente no intitulado "mundo humano". Vários deles me deram nomes diversos. Afinal, eu habito cada célula do que se é considerado "humano". Embora cada ser seja único em sua composição espiritual, eu os observo ao mesmo modo, como *unos*. Não os julgo de seus atos, não os impeço de assim cometer-los, e não os influencio para tal. Apenas observo e os admiro, já que eu habito suas vidas.

Porém, esse meu fascínio por tal ser me faz extrapolar alguns limites impostos pelos céus e pelo tempo. Aqueles espelhos... Quanto mais límpidos e reluzentes, mais meu próprio ser espectral se aquece e se deslumbra de incomparável prazer. E isso me faz interferir minimamente no seu redor.

Este bosque que vos falo, é simplesmente meu *Elysium*, onde posso observar todas as vidas humanas através de seus espelhos. Desde seus atos até seus pensamentos, seja do presente ou do passado. Mas uma coisa é imperceptível e vago... Este é meu maior fascínio e prazer, aquela imagem borrada no espelho, turva como se quisesse que eu a visse, mas se escondesse de minha visão curiosa e deslumbrada.

O "futuro" por assim dizer, ou até mesmo destino como muitos assumem. Posso prever vários caminhos que os humanos possam tomar de acordo com seus atos momentâneos presentes, mas ainda sim, seu destino é uma incógnita. O que me cativa e atrai, não é apenas isso, mas como eles lidam com isso.

Os espelhos são todos diferentes em suas formas, cores e entalhes, mas há uma peculiaridade. Já que são todos seres biologicamente humanos, Mesmo com variações, todos transmitem um reflexo. Esse reflexo é idêntico quanto ao nascimento de todos, porém vai se formando e se deformando com o passar da vida. Se construindo ou destruindo, aumentando sua nitidez ou desmoronando de vez em sua vida turva e vazia.

Ah como isso me encanta, pois de várias "máscaras" eles se vestem, tentando ser o espelho do próximo, quando na verdade seu reflexo é singular, onde só você poderá moldurar. Aquele espelho fraco que venho observando há tempos agora me chama a atenção.

De moldura frágil, mas de entalhes encantadores, este espelho revolto agora está com seu reflexo cada vez mais se tornando deturpado. Este espelho é de uma mulher. Se sente frágil, insegura, impossibilitada de ser feliz ou de "ser alguém na vida", como gostam de afirmar os humanos. Ela pensa ser impossível alcançar essas proezas, "pensa" ser impossível.

Contra minhas leis do universo, eu tento ao menos mostrar, em um vago momento, como seu reflexo não se limita apenas à isso. Seja em uma simples brisa, uma feliz coincidência ou até mesmo um raio de sol. É impressionante como um ser tão magnífico, capaz de tantas façanhas, não consegue enxergar seu próprio reflexo. Apenas conseguem ver aquilo que seu subconsciente semeou em sua mente e seu ego fertilizou em sua existência. Ah e como não era de se esperar, lá está o fenômeno em ação...

O espelho frágil, agora se fortalecendo. Aquela imagem turva e melancólica, transforma-se em grandeza imensurável. Um reflexo lindo, repleto de força e maestria. Erguendo se como nunca antes visto.

É admirável e sempre entorpecente como o fluxo espectral do ser humano se altera a cada instante, mas sua força mental comparada até mesmo com os mais poderosos seres celestiais, consegue moldar e canalizar este fluxo de vida.

O mais cômico, é que eles mesmos não enxergam isso. Por isso sigo observando, em meu bosque dos espelhos.