Em sua casa, Ted olhava suas duas mãos.


Ficou encarando por alguns segundos enquanto Jeff Buckley cantava “Hallelujah” baixinho nas caixinhas de som do seu notebook. Ele procurava em pastas de arquivos do fim dos anos 90, contos velhos e mal escritos. Era só pegar um ou dois e mudar as palavras, encaixar conceitos, futucar o final da história e depois mandar pra editora dizendo que era algo original. Suas mãos pareciam queimar e coçavam também... Era uma mistura de frustração com nervosismo, e talvez uma reação alérgica.

Na casa ao lado, Marinalva olhava suas duas mãos.


Ela estava parada em pé. Em frente a uma TV de quatorze polegadas. Uma cantora famosa de funk dançava e cantava num videoclipe. Era um programa especial de uma hora inteirinha só com clipes dela. Marinalva queria cantar e dançar que nem ela; então ficava em frente à TV tentando imitar os seus passos e cantando aos berros. Mas, por alguns segundos a televisão ficou muda e apenas a sua própria voz soou pela casa. Marinalva parou de cantar. Não gostou de sua voz, sua voz não era tão boa... De repente sentiu como se todos os moradores da rua pudessem escutá-la. Cobriu a boca com as mãos…


Na casa em frente, Zé Neto olhava suas duas mãos.


Ele estava sentado em frente ao portão da casa de Mariazinha. Ele se perguntava por que tinha dito que a amava…já que na verdade queria estar com outro alguém. Se lembrou da aula de inglês nas manhãs de quarta-feira. Era o melhor dia da semana, a aula durava duas horas e depois se estendia até o bar logo em frente, então no total: eram – pelo menos – três horas…três horas vendo o Professor João Paulo falando, conversando. João tinha braços fortes e um sorriso quase constante. Tocava sambas no violão, sambas antigos como Noel Rosa e Cartola. Zé Neto o amava (ou ao menos pensava que sim). Ele tinha dito que amava a Mariazinha e provavelmente, se continuasse mentindo, acabaria se casando com ela. Mas ele amava o João Paulo.

 

Todas as luzes se apagaram… e lá fora, houve um clarão. Ted deu um pulo e soltou um palavrão, quando viu que o computador tinha desaparecido do quarto. Sua “História Perfeita” estava quase vindo… Foi até a porta pra ver de onde vinha a luz.

Marinalva não pode acreditar. A televisão tinha desaparecido!! Ela deu um grito agudo e soltou um palavrão, tateando em sua volta. Pensou em gritar “LADRÃO!! LADRÃO!!!”, mas sabia que não havia ninguém… Pelas frestas do telhado viu uma luz imensa se aproximando.


Zé Neto esperava Mariazinha sair de casa e ela demorava demais se arrumando. Acabou entrando pra apressá-la, mas não havia ninguém em casa. Ele já pensava em retornar, pegar sua bike e partir... quando olhou pra cima e viu o clarão. Os três se encontraram e se entreolharam… e depois olharam em volta. Não havia ninguém na rua. As portas e janelas das casas estavam escancaradas, assim como a casa de Mariazinha, que era a mais próxima; mas não havia ninguém. As pessoas tinham desaparecido... A luz brilhava em cima como uma estrela. Mas estava muito próxima.


Quanto mais ela se aproximava... mais os três também se aproximavam ficando a ponto de estarem de mãos dadas, quase abraçados sem perceber. Pensavam na morte... Pensavam em algo poderoso que os faria confessar qualquer coisa, se quisesse. A luz que se aproximava de repente escureceu. As estrelas voltaram a aparecer. E eles repararam que TODAS as pessoas continuavam ali. A energia voltou…A luz que descia, era um helicóptero que estava pousando num hotel numa rua ali próxima. Eles se olharam. Sorriram envergonhados…


As pessoas cochichavam e riam, mas eles não se importaram. Continuaram sorrindo e se encarando. Continuaram juntos, de mãos dadas, num aperto forte... uma corrente que ninguém, naquela rua ou no mundo inteiro seria capaz de destruir. Importantes decisões foram tomadas... E uma amizade incrível nasceu daquela luz forte.

 

 

Henrique Britto
Enviado por Henrique Britto em 23/09/2024
Código do texto: T8158383
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