… e então eu o embalei num edredom. O mais grosso que eu tinha, pus luvas e uma máscara descartável da época da pandemia que pensei que nunca mais fosse lembrar de onde estava. Meu pensamento é que não podia manter contato físico com ele. Seria, grosseiramente falando; como abraçar um macaco selvagem e pegar uma gripe que humanos não estão acostumados. A porta de casa estava escancarada… tive que arrastá-lo pelo asfalto até entrarmos em casa.

Eu estava ofegante e assustado, mas estava com tanta adrenalina que não conseguia processar este medo. Minha vontade de mantê-lo seguro e ter qualquer tipo de “contato” ou “linguagem” com ele era mais importante. Mas ele estava sangrando, vermelho como nós, e eu não sabia o quanto aquilo era grave.

 

– Eu… eu… eu não posso te levar pro médico, ok?! Se alguém te encontrar, vão acabar matando você ou te prendendo! E não sei se posso fazer muito, não sei nem posso te tocar! Eu, eu… porra, caralho, EU NÃO SEI…!! – O alienígena inclinou a cabeça como se tivesse meio impressionado (isso me fez achar que talvez ele pudesse me entender).

 

– Dizem que vocês entendem o que a gente pensa… Você consegue me entender? – O ser não fez que sim nem que não. Seus olhos eram enormes e não piscavam como os nossos, não tinha pálpebras. Parecia ter uma íris gigante e provavelmente enxergava cem vezes melhor do que eu. Ficou me encarando, mas sua respiração se tornou leve e calma. Terminei de cobri-lo e pus um travesseiro embaixo de sua cadeira.

 

Umas três vezes, principalmente quando o encontrei; após as luzes no céu (que provavelmente antecederam a queda de sua nave) ele emitiu sons. Pareciam zumbidos de mosca, só que mais altos e tinham um certo “ritmo”. Mas era impossível entendê-lo. Passaram-se umas duas horas, eu estava sentado ao seu lado, com vários travesseiros e trocando de mascara de hora em hora e tomando banho também. Não sei se toda aquela proteção seria útil depois… Ele não conseguia dormir… ou não queria. E mal parecia descansar. O máximo que consegui foi deixá-lo mais calmo.

 

– Sabe… Eu acredito que devemos ser filhos de um mesmo Deus… ou Deusa, ou Deuses… sei lá. Talvez se você não estivesse tão machucado, acho que sua tecnologia lá na nave ajudaria a me traduzir…ah… não sei bem, a gente ia conversar. Ficaríamos amigos. Você dizendo como é lá na sua casa, eu dizendo como as coisas funcionam por aqui, enfim. … Ou então você faria o que meus conterrâneos fariam. Me prenderia numa mesa me abriria como um peru de Natal.

– Seria bom se seus amigos aparecessem, porque se não… amanhã a gente tá fodido, amigo… você e eu. Exército, jornais e o escambau. (…) … e sua respiração… acho que você tá morrendo, né…? Eu vou ter que te enterrar num lugar aqui perto e isso deve ser indigno. Afinal, no seu mundo você é um astronauta! Tente segurar… Seus amigos podem aparecer e…

 

Precisei sair de perto dele por alguns segundos para ir ao banheiro. Somente neste momento percebi o quão alta e aflita estava a minha respiração. De repente me olhei no espelho e simplesmente desabei em lágrimas. Devo ter chorado com força por uns cinco minutos. Não sei o motivo, chorei como criança. Como se sentisse dor. Me recompus e voltei pra ficar com meu amigo alienígena deitado confortavelmente na sala. Ele suspendeu o pescoço e me olhou por alguns instantes Fez um sinal com os dedos que parecia uma despedida, um gesto importante, não sei… Sabe-se lá porque… Fiz de volta. Sua boquinha quase totalmente atrofiada emitiu algo que se pareceu um sorriso. Seus grandes olhos pretos, ganharam uma tonalidade cinza… e seu corpo raquítico amoleceu como o de uma lagartixa pisada.

Estava morto…

 

Fiquei parado por muitos minutos o encarando, até ter outra crise, quase histérica, de choro, sentado no chão do outro lado da sala. Era como ter perdido um parente muito próximo. Era como se o conhecesse desde seu nascimento.

 

– Preciso enterrá-lo ainda hoje… – Pensei, segundos depois bateram na porta… Eram quatro soldados do exército, encapuzados. Armados como se estivessem em guerra.

– Sabe por que viemos aqui?

– Sei… Ele… ele morreu. Vocês vão me matar.

– Saia da frente menino… Agora é com a gente. – Deixei-os entrar, e percebi que estava com mais medo deles do que do extraterrestre. Mas foram incrivelmente rápidos. Em menos de dois minutos já tinham limpado o local e levado o alienígena no fundo de um enorme jipe.

Um outro jipe parou em frente a minha casa… Pensei que seria assassinado. Um homem saiu de dentro. Ele não se parecia humano, mas também não parecia como o extraterrestre que estava comigo. Tinha óculos escuros (e era noite), sua boca era muito pequena e sua cabeça, era… estranha.

– Agradecemos a atuação cuidadosa. – Ele disse.

– Ok…

– Não fale com ninguém. Se você falar, eles saberão. E não haverá nada que possamos fazer para lhe ajudar. São as suas regras.

– Você também é um deles?

– Não é tão simples… – Deu as costas e rapidamente entrou no carro que saiu com velocidade.

– Fiquei parado por alguns segundos olhando o chão. Até que minha gata passou por mim com uma barata na boca.

– Droga… Esqueci de tirar o lixo. – Sussurrei.

 

Dez minutos depois, estava de banho tomado e deitado na cama, comendo rosquinhas e assistindo séries na Netflix.

 

Henrique Britto
Enviado por Henrique Britto em 19/09/2024
Código do texto: T8155301
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