Rosa Esperança
O inverno foi bastante rigoroso na fazenda Recanto Feliz, situada no município de Batatais, estado de São Paulo. As fortes geadas destruíram por completo as plantações, as hortaliças e o pequeno jardim da casa de Maria Ângela de Medeiros. Maria era uma menina de 12 anos, mas que aparentava 14 por causa do seu porte físico avantajado, herdado do pai. Era uma menina esbelta, loira, de olhos verdes e arregalados, e dona de um sorriso exuberante que conquistava a todos. Sua mãe, Madalena da Silva Medeiros, de 34 anos, tinha os mesmos traços da filha, porém era mais alta. Seu pai, Leopoldo Medeiros, tinha 37 anos e, com seus 1,98 m, causava inveja a qualquer halterofilista. Usava bigode sempre bem aparado, tinha um sorriso cauteloso, cabelos castanhos e ondulados, além de imensos olhos negros. Ele era o novo retireiro da fazenda.
A família veio da cidade de Altinópolis, e o desemprego naquela região fez com que se mudassem para a fazenda Recanto Feliz.
A casa que a família Medeiros foi habitar era pequena, porém confortável. Tinha uma sala de paredes amarelas, uma cozinha com fogão a lenha, um pequeno banheiro e dois quartos. Os móveis eram antigos, mas bem conservados, e inúmeros quadros enfeitavam as paredes de tijolos sem reboco. Aos fundos da casa, havia um imenso quintal com diversas árvores frutíferas, um galinheiro, um chiqueiro, uma horta, e o que mais chamou a atenção de Maria Ângela: um jardim na frente da residência, que estava completamente seco por causa das fortes geadas dos meses de junho e julho.
Desde o primeiro dia em que Maria Ângela mudou-se para essa casa, ela ficava olhando com admiração aquele jardim e, em seus sonhos, o imaginava bem florido, onde colhia flores coloridas e as entregava para a mãe.
O inverno passou, e os dias mais quentes e algumas chuvas anunciavam que a primavera havia chegado com força total. Aos poucos, as árvores e as plantações secas ganhavam vigor, voltando a encantar os olhos das pessoas com uma beleza ímpar.
No fim de mais um dia de trabalho, Leopoldo chega a sua casa e, quando estava prestes a bater na porta da frente, é surpreendido pela filha:
— Pai, como foi o seu dia de trabalho?
— Oi, minha filha linda. O pai trabalhou bastante e está cansado. Você não deu trabalho para a sua mãe, não é?
— Não, pai. Fiquei ajudando a mamãe a limpar o galinheiro e recolher os ovos.
— Onde está a sua mãe? — pergunta Leopoldo, com os olhos vasculhando os cômodos da casa.
— Ela está tomando banho — respondeu Maria com seu sorriso sempre contagiante.
— Enquanto ela termina, vou pegar um enxadão e começar a arrancar esse jardim horroroso que está na frente de casa.
Maria Ângela começa a chorar e, aos gritos, implora para o pai:
— Nãããão, pai, pelo amor de Deus, não faça isso! Estou esperando o jardim dar flores para eu colher para a mamãe. Se o senhor acabar com ele, os meus sonhos vão embora. O jardim é a parte da casa de que mais gostei, e mesmo estando seco, eu sei que um dia ele vai voltar a florescer. Faz parte da natureza, e o ciclo das estações, ao se renovarem, traz consigo fenômenos que nós, humanos, não compreendemos, mas que diversificam os aspectos terrestres.
— Como sempre, você é muito inteligente, minha filha, mas o jardim está seco e feio. Não tem uma folha verde nos galhos das plantas, a grama está em péssimas condições, e do jeito que está, não serve para nada, a não ser para juntar bichos.
— Pai, hoje eu vi um jardineiro na casa da sede mexendo nas plantas. É só pedir para ele vir aqui arrumar o nosso jardim também, uai!
— Não sei se vou ter dinheiro — reclama o pai — e também precisa ver se ele tem tempo para arrumar esse jardim feio.
A conversa é interrompida por um grito vindo do banheiro:
— Aiiiiiiii, socorroooooooo!
— É a sua mãe! O que será que houve, Maria? — desesperado, Leopoldo corre até o banheiro. — Madalena, o que está acontecendo? Que grito foi esse? Me responde, por favor!
Com todo esse desespero, Maria, que já estava chorando, pede para o pai salvar a mãe. Leopoldo, usando toda a sua força, arromba a porta do banheiro e vê a esposa caída no chão, com a cabeça ensanguentada devido à queda após um escorregão.
Sem pensar duas vezes, Leopoldo sai implorando por socorro pelas ruas da fazenda. O jardineiro Luís Rezende, ouvindo a gritaria, sai detrás das moitas de murta, pega sua caminhonete e, pressentindo o pior, chega à casa de Leopoldo, que já o esperava com a esposa desmaiada nos braços.
Luís, Leopoldo e Madalena entram na caminhonete e partem às pressas, levantando poeira pelas estradas de terra.
No meio do caminho, Leopoldo contrata o jardineiro para arrumar o jardim da filha. Madalena acorda do desmaio, mas não se lembra de nada. O médico a diagnostica com perda de memória, que poderia ser passageira ou durar longos anos.
— Sr. Leopoldo — finaliza o médico —, sua esposa não se lembra de nada do passado. Ela precisa, além de tomar os remédios que receitei, receber muito carinho, pois somente assim poderá voltar ao normal. Dê a ela coisas que a façam lembrar-se de momentos de suas vidas e reze para que Deus conceda uma graça!
Leopoldo, sua esposa e o jardineiro voltam para a fazenda, onde a menina Maria aguardava ansiosa pelos pais. Ao ver o estado da mãe, as lágrimas novamente preenchem seu rosto angelical. Sua mãe era tudo para ela: seu apoio, seu ar, sua água, seu sol e sua lua.
O pai avisa à filha:
— Maria Ângela, amanhã cedo o jardineiro virá trabalhar aqui em casa. Peço que, nesses dias, dê o máximo de carinho para sua mãe, pois o médico disse que isso pode ser fundamental para a recuperação dela.
— Está bem, pai, farei tudo o que for possível para ela melhorar.
O trágico dia passou, e a noite chuvosa fez com que a água cristalina aliviasse a sede das terras da fazenda Recanto Feliz. O próprio jardim, que estava seco, sentiu a presença do líquido divino e já demonstrava sinais de renovação. Madalena dormiu a noite inteira; Leopoldo ficou ao lado da esposa, impaciente; e Maria Ângela, dormindo no quarto ao lado, sonhou que passeava no jardim junto com a mãe, que sorria entre as flores.
O dia amanheceu e, junto com a luz do sol, o jardineiro Luís Rezende chegou à casa de Leopoldo. Este o encontrou e mostrou o jardim, pedindo para que conversasse bastante com a filha, para entretê-la e ajudá-la a esquecer dos problemas da mãe doente.
Naqueles dias, a menina não foi à escola por causa da mãe e ficou em casa o dia todo. Ela acorda, dá um beijo na mãe e vai para o jardim, onde encontra o jardineiro. Logo apresenta a ele seu carinho:
— Bom dia, moço!
Surpreso com a graciosidade da menina, o jardineiro responde:
— Bom dia, menina bonita. Seu pai me disse que este jardim é seu?
— É sim, moço, e quero que você o deixe bem bonito para mim, tá? Eu sonhei que eu e minha mãe passeávamos nele.
— Que bom! Então vou te ensinar a plantar roseiras, mas é preciso ter muito amor para as rosas crescerem e darem lindos botões.
— Está bem, moço.
— Eu trouxe esses galhinhos de uma roseira que tenho lá em casa. Agora, você vai pegar um galho desses, ter cuidado com os espinhos, fazer um buraco no chão, colocar um pouco de esterco e o galho na terra, e depois regar com um pouco de água, lembrando sempre que precisa ter muito amor.
A menina segue todos os passos indicados pelo seu novo amigo jardineiro e, após plantar sua roseira, a batiza de Esperança.
Em um único dia, Luís arruma todo o jardim e pede para Maria Ângela regá-lo de manhã e à tardezinha.
Maria Ângela estava regando as novas plantas quando avistou seu pai ao longe. Abandonou seus afazeres e correu para abraçá-lo, ansiosa para compartilhar sua novidade.
- Pai, eu ajudei o jardineiro e plantei minha própria roseira! - contou, cheia de entusiasmo. - Ela se chama Esperança.
Leopoldo sentiu o peito se encher de orgulho ao ouvir as palavras da filha. Ele sorriu e acariciou o cabelo de Maria Ângela, sentindo a alegria transbordar em seu coração. Juntos, entraram em casa e foram até o quarto onde Madalena descansava, ainda pronunciando poucas palavras desde o acidente.
Os dias se passaram, e Maria Ângela seguia fielmente as orientações do jardineiro, regando seu jardim todos os dias. O jardim florescia, com exceção da roseira Esperança, que estava coberta de folhas verdes, mas ainda sem um único botão de rosa.
Certa noite, enquanto conversava com seu pai, Maria Ângela perguntou:
- Pai, por que as flores não falam?
Leopoldo sorriu, compreendendo a profundidade da pergunta.
- Minha filha, as flores falam, sim, mas de uma forma diferente da nossa. Às vezes, uma flor fala de perdão, outra vez de amor. Houve um dia em que um lindo buquê de rosas vermelhas falou para sua mãe que eu queria casar com ela. Quem entrega uma rosa sente o coração mais feliz, e quem a recebe sente que a alma exala os seus doces perfumes.
- Será que minhas rosas vão falar alguma coisa? - perguntou Maria Ângela, esperançosa.
- Tenho certeza que sim, minha filha - respondeu o pai, com um sorriso tranquilo.
Os dias continuaram a passar, sem que Madalena desse sinais de melhora. Enquanto isso, o jardim de Maria Ângela florescia com vigor, embora a roseira Esperança ainda não tivesse produzido nenhum botão. Então, no dia 11 de outubro, Maria Ângela entrou em casa radiante.
- Pai, minha roseira deu o primeiro botão! - exclamou.
- Que alegria, minha filha! - respondeu Leopoldo.
- Mas eu vou colhê-la amanhã, que é dia das crianças e de Nossa Senhora Aparecida - decidiu a menina.
- Que ótima ideia. Tenho certeza de que a rosa lhe dirá algo especial - concordou o pai, contente com a sabedoria da filha.
Aquela noite parecia não ter fim. Maria Ângela não conseguiu dormir, pensando incessantemente em sua roseira Esperança. Abriu a janela e, olhando para as estrelas, fez uma prece fervorosa aos anjos, pedindo que cobrissem sua mãe com asas douradas para que ela se lembrasse de que era sua mãe.
Os galos cantaram anunciando um novo amanhecer, e Maria Ângela correu até a cozinha, onde seu pai preparava o café e tirava um bolo do forno.
- Pai, quero lhe mostrar uma coisa! - disse ela, ansiosa.
- O que é, minha filha? - perguntou Leopoldo, intrigado.
- Vem comigo até o jardim! - insistiu a menina.
Os dois saíram de casa e foram até o jardim. Com uma tesoura em mãos, Maria Ângela cortou o botão de rosa e, enquanto o fazia, falou ao pai:
- Pai, esses dias eu tive um sonho. No sonho, eu e minha mãe caminhávamos pelo jardim e eu colhia todas as flores para dar a ela. Só que, na vida real, ela está tão doente que nem me reconhece como filha. Isso me deixa triste, mas vou dar essa primeira rosa para a mamãe.
- Filha, siga o que seu coração mandar. Com certeza, coisas boas acontecerão! - disse o pai, emocionado.
Com o botão de rosa entre seus dedos pequenos, Maria Ângela e seu pai entraram no quarto de Madalena.
- Mãe - chamou a menina, com carinho.
Madalena acordou com raiva e repreendeu a filha:
- O que você quer, menina? Já disse que não sou nada sua. Por favor, me deixe em paz.
Maria Ângela não se deixou abalar. Lentamente, aproximou-se e colocou a rosa nas mãos da mãe. Ao sentir o aroma suave da flor, Madalena começou a chorar. Lágrimas escorriam por seu rosto, e suas feições endurecidas suavizaram.
- Obrigada, minha filha - disse Madalena, com a voz embargada. - Eu não sei o que aconteceu nesses dias, mas sei que este é o dia mais importante da minha vida. Venha aqui, me dê um abraço.
Maria Ângela correu e pulou no colo da mãe, os dois se abraçando com todo o amor que tinham dentro de si. Olhando para o pai, a menina falou:
- Pai, um dia o senhor quis destruir o meu jardim. Se não fosse por ele, hoje a minha rosa não estaria dizendo: "SALVAÇÃO".
Autor: Leandro Raihmundini