Cadê o Ouro que Tava ali?

_ Menina do céu, você nem imagina o quanto estou preocupada com o Frederico! Parece que endoidou, já não é o mesmo não. Não se preocupa mais com as obrigações e só pensa em encontrar um tacho de ouro que dizem estar enterrado em algum lugar no bairro do Cuiabá, próximo onde ficava a antiga fazenda da povoação.

_ Uai Dolores, às vezes é só uma moda passageira, os homens gostam de encartar com coisas esquisitas mesmo, mas logo desencartam. Preocupa não.

_ Sei não viu. Ele encasquetou com isso agora e não fala noutra coisa. Essas ideias malucas começaram há um tempo e vem aumentando, feito o dia amanhecendo, onde vai ficando cada vez mais claro. Tudo começou quando sonhou que estava trabalhando na ferraria e de repente tinha a sua frente um tacho cheio de pedras de ouro. E ele então começou a jogar algumas pedras dentro de um cadinho e depois colocou no fogareiro que utilizava para esquentar ferro. O ouro então esquentou tanto que virou uma pasta mole incandescente. E ela brilhava que ardia os olhos. Depois começou a despejar o ouro derretido em algumas vasilhas com formato de estrelas. Com muito cuidado para não derramar, encheu todas e depois de um tempo, quando já estavam esfriadas, tirou das formas e então pode ver oito estrelas de ouro reluzentes diante dos seus olhos. Ficou muito impressionado com aquilo. E no dia seguinte, ele não se lembra como surgiu o assunto, mas o seu freguês de longa data, senhor Casemiro, contou que existe um tacho de ouro escondido em algum lugar, perto da antiga fazenda do senhor João da Mata.

_ Tô entendendo uai! Foi ligando uma coisa com a outra e agora acha que é um sinal, que uma criatura do além tá mostrando as coisas pra ele.

_ Num tô te falando uai! E pra piorar, no dia seguinte, outro freguês veio com outra história que caseia juntinho com o que tenho dito. Contou que o senhor Licurgo também sonhou com o tal tacho de ouro. E no sonho, o diabo apareceu pra ele e falou que se ele vendesse sua alma, mostraria onde estava escondido. Credo em cruz! Deus me livre dessas coisas. Graças a Deus o senhor Licurgo não aceitou, mas disse que foi difícil resistir a proposta do coisa ruim.

_ Ai credo! Vou até fazer o sinal da cruz. Tô até arrepiada! Mas o Frederico tá querendo vender a alma ao diabo pra encontrar o tacho?

_ Não. Acho que não. Talvez, depois de ter ficado esquisito nesses últimos dias, tudo é possível. O que me preocupa é que depois disso, o argumento dele pra seguir nessa sina, é que se o diabo afirmou que contaria onde está o tacho, então quer dizer que ele existe e tá escondido em algum lugar. Pronto. Agora ele acha que esse tacho existe e recebeu uma missão pra sair a sua procura.

_ É. Não deixa de fazer sentido. Ah! Mas ele não atinou que a bíblia diz também que o diabo é o pai da mentira. Então não é porque ele falou que a gente deve acreditar que o tacho existe.

_ E eu já não disse isso a ele! Só que não acredita em nada que falo. Tudo que digo entra num ouvido e saí pelo outro. O que posso fazer é continuar com minhas Orações. Não quero perder o Frederico.

_ Fica sossegada, daqui a pouco ele esquece tudo isso e a vida volta ao batidinho de sempre. Até mais amiga, depois a gente conversa. Vou ver uma panela que deixei no fogo,

 

......

Dolores varria sua casa, quando Frederico chegou da rua trazendo debaixo do braço alguns livros, uns mais finos enquanto outros deviam ter mais de trezentas páginas.

_ Frederico pra que esses livros e onde encontrou?

_ Peguei emprestado na biblioteca municipal, quero ler todos dentro de pouco tempo, pois tenho pressa para aprender tudo sobre umas coisas que tenho em mente.

Dolores, com as mãos na cintura, balançou a cabeça espantada com a atitude do marido.

_ Homem de Deus! O que foi fazer lá na biblioteca? Você só teve dois anos de banco na escola, mal sabe escrever e já pega logo esse monte de livros pra ler? E foi lá assim sujo desse jeito, poderia ter pelo menos tirado esse avental encardido. Meu Deus! Que vergonha. As crianças devem ter rido bastante quando viram sua cara de marmota andando pela biblioteca, todo desengonçado.

_ Riram mesmo, mas não de espanto e sim de admiração ao ver um senhor ir à biblioteca pegar livros, me olharam como exemplo, pois o hábito da leitura entre adultos é coisa rara. Você tem razão quando diz que fiquei pouco tempo na escola e que mal sei escrever. Mas aprendi a ler e pra mim é o bastante para ir em busca do meu objetivo. Já não ligo mais pelo que as pessoas pensam a respeito de mim.

_ Esses livros certamente têm a ver com sua história de querer encontrar o maldito tacho de ouro...

_ Tem sim, mas não é maldito e sim bendito, o ouro é uma riqueza, é belo e precioso, foi citado diversas vezes na bíblia, onde fala também que no céu andaremos em ruas de ouro. Então não há mal nenhum em querer encontrar o tacho. Se eu encontrar, ficarei rico e já não terei cara de marmota e você e os demais estarão me bajulando.

_ Frederico! Para de falar bobagem e me diga que livros são esses?

_ Dois deles falam sobre a história dos bandeirantes, como viviam e como faziam para encontrar o ouro. O outro fala como e onde costumavam guardar o ouro para não ser roubado, o outro, fala sobre os sonhos. É tudo que preciso saber para ajudar a encontrar o tacho. Primeiro vou escafunchar o assunto e aprender tudo sobre mineração. Depois montar uma estratégia e sair a sua procura.

_ Pelo jeito vai parar de trabalhar e como vamos viver, homem de Deus?

_ Não se preocupe, não vamos passar fome. Tenho um dinheiro guardado debaixo do colchão que dá para uns oito meses. Já calculei tudo, tintim por tintim.

_ Mas vai perder os fregueses e depois?

_ Depois? Se encontrar o tacho, vou por a ferraria no chão. Se não achar, vou atrás dos clientes novamente.

No dia seguinte Frederico levantou bem cedinho, tomou o café e logo pegou o livro que abordava tudo sobre os sonhos. Foi até o quintal e sentou-se em uma cadeira velha, jogada debaixo de um pé de mangueira de sombra abundante. Improvisou uma mesa onde colocou uma cabaça cheia d’agua fresca, a mesma que usava quando estava na ferraria. Colocou ali também um bule cheio de café e uns pedaços de rapadura para matar a fome. Assim sempre fazia quando ia para a ferraria, se abastecia para o serviço render o máximo possível. Agora repetia seu comportamento diante da empreitada de ler o livro que tinha em mãos. Ficou ali por muito tempo, compenetrado, parecia engolir cada palavra que surgia naquelas páginas intermináveis. No início, como não tinha o costume da leitura, tudo foi muito sacrificial, lia de carreirinha, soletrando cada letra, mas depois de uns tempos a leitura fluiu um pouco mais rápida. E aquela cena se repetiu por alguns dias, quando finalmente acabou de ler o livro.

 

 

_ Bom dia Dolores! Como tem passado? Faz tempo que a gente não se encontra.

_ Bom dia Nazaré! A gente fica entretida com as coisas da casa e nem vê o tempo correr.

_ Mas me conta como tá o Frederico, já se esqueceu daquelas ideias malucas?

_ Antes fosse, tá mais envolvido do que nunca. Agora resolveu que vai trabalhar só na parte da tarde e de manhã vai usar seu tempo para ler alguns livros. Acordo cedinho e abro a janela. Imagina quem vejo? O Frederico sentado em uma cadeira debaixo do pé de manga, com um livro na mão.

_ Uai Dolores, até onde sei o Frederico nunca foi de ler livros.

_ Pois é, nunca foi, mas agora é. Ocê acredita que ele já leu um livro de 200 paginas? Falava tudo sobre os sonhos. Como sonhou com o tacho agora quer saber se tem algum significado. Disse que o livro falava de diversas passagens da bíblia onde cita pessoas sonhando, como foi o caso de Jacó, José do Egito e José esposo de Maria, mãe de Jesus. Agora já acha que Deus fala com as pessoas em sonhos e falou com ele também.

_ Se é assim, acho que ocê precisa apoia ele uai. Vai que seja verdade e um dia acaba encontrando o tacho?

_ Não! Não, não. Isso é loucura, não vou cair nessa armadilha. Não é porque aconteceu no passado que vá se repetir novamente. E aquelas pessoas eram especiais, o Frederico é um pobre pecador que vive transgredindo as leis divinas.

 

Toda vez que Frederico começava a ler um livro, Dolores ficava agoniada, pois temia que aparecesse com novas manias. E mais uma vez, lá estava ele, no mesmo lugar de sempre, com a mesma concentração e com o mesmo pique. Lia o livro que contava a história dos bandeirantes. Já agora, também tinha em mãos um dicionário para lhe ajudar naqueles vocábulos desconhecidos, e eram tantos, que às vezes gastava a maior parte do tempo procurando encontra-los, do que propriamente lendo o livro. Da cozinha, Dolores sempre observava o marido, enquanto fazia as tarefas do dia. E não se conformava com aquilo. _“maldita hora que encontrou e pegou aqueles livros, maldita hora que aqueles fregueses estiveram na ferraria, maldita a noite quando teve aquele sonho....”.

Maldições a parte, ele continuava absorto, viajando com os bandeirantes, sentindo-se presente entre eles e sofrendo com as batalhas travadas. Quanto mais lia, mais se via como um e mais encarnava o espirito dos descobridores de ouro e pedras preciosas. Gostou tanto do Borba Gato que decidiu que a partir daquele dia iria pagar uma costureira para fazer roupas iguaizinhas aquelas que usava. Do mesmo modo, pediu também ao sapateiro que lhe fizesse uma bota e um gibão de couro de capivara. Comprou também um chapéu. Contratou e pagou tudo à surdina, de tal modo que Dolores não ficasse sabendo. A camisa, a calça e as ceroulas foram confeccionadas rapidamente, enquanto as botas e o gibão demoraram um pouco mais, pois o sapateiro teve que sair a caça da capivara, tirar-lhe a pele e a secar ao sol. Mas depois de quinze dias estava tudo pronto.

Frederico então disse a Dolores que naquela tarde não iria trabalhar, tinha que resolver um problema com um freguês que reclamou da sua roda de carro de boi, cuja chapa que segurava a madeira, não tinha ficado apertada o suficiente. Ela estranhou um pouco a justificativa, mas balançou a cabeça, concordando. E ele então tratou de chegar logo na casa do sapateiro, pegou sua bota e o gibão e saiu às pressas em direção a casa da costureira, onde experimentou a camisa e a calça. Já vestido aproveitou e pôs por cima da camisa o gibão, calçou as botas e pôs o chapéu na cabeça. Frederico ficou satisfeito com sua nova roupagem, embora a barriga avantajada deixasse tudo um pouco estranho. Virou-se para a costureira e perguntou:

_ E então, minha senhora, estou parecido com o Borba Gato?

Ela, fazendo todo o esforço para não cair em gargalhada, respirou fundo e respondeu:

_Não conheço esse tal Borba Gato, mas o senhor está bonito, a roupa combinou direitinho. _ Muito obrigado, minha senhora. Pena que não sabe quem foi Borba Gato! Sugiro que vá até a biblioteca municipal e leia o livro que conta a história desse grande bandeirante. Passe bem e muito obrigado.

Frederico saiu pelas ruas e à medida que todos iam vendo aquele senhor, o estranhavam, não o reconhecendo, dada a mudança do traje, como se entrasse um homem na casa da costureira e saísse outro completamente diferente. Mas ele não se importou e continuou andando, todo imponente, de cabeça erguida, como se fosse o Borba Gato, mas era o Frederico de sempre, o sonhador, casado com Dolores.

Não demorou muito para que as pessoas descobrissem que o homem estranho e esquisito era de fato o Frederico e começaram a rir dele. E os comentários afloraram com muita intensidade, chamando-o de louco.

Quando chegou à sua casa e deu de cara com Dolores, ela simplesmente desmaiou, deixando-o desesperado, obrigando-o a ir até a casa de Nazaré pedir socorro. Nazaré saiu apressada e foi socorrer sua amiga, estirada ao chão. Ao se aproximar, colocou um dos braços debaixo dos ombros de Dolores e o apoiou sobre seu colo. Passando a dar-lhe tapas no rosto e ao mesmo tempo chamando-a pelo nome pra ver se voltava a si.

_ Dolores, Dolores, acorda, fala comigo pelo amor de Deus! Dolores.

Enquanto isso, o Borba Gato estava sentado numa cadeira, imóvel, sem mover uma palha.

_ Frederico – faça alguma coisa, traga um pouco de álcool pra gente passar nas narinas da Dolores, vamos, rápido. E pelo amor de Deus, tire estas roupas esquisitas, tá parecendo um palhaço.

Depois de momentos angustiantes Dolores recobrou os ânimos e, assustada, tratou de se levantar e ajeitar seus cabelos esvoaçados.

_Uai Dolores o que aconteceu que oce desmaiou?

_ É que vi um homem estranho na minha frente. Acho que tô ficando doida também.

_ Não amiga. Era o Frederico.

_Não! Não era não. Era muito diferente do Frederico. Eu me lembro da feição dele uai.

_ Frederico, explique pra Dolores o que aconteceu.

_ Ô Dolores, preocupa não, era eu sim. É que eu gostei tanto do bandeirante Borba Gato, que resolvi fazer e vestir uma roupa igualzinha a que ele usava.

Dolores ficou furiosa com a explicação e esbravejou:

_Seu doido varrido, dá vontade de te dar uma coça! Cria vergonha nessa cara de broa e para de bancar o idiota. Por que ocê não para com essas loucuras, sou capaz de ir embora desta casa pra nunca mais voltar. Não vou ficar passando raiva e vergonha por sua causa. Nossas vidas estão na boca do povo, todo mundo fazendo chacota da gente e oçê nem se toca.

_Não tô louco não muié. Não é porque uso a roupa do Borba Gato que esteja perdendo o juízo! Tem muita gente que veste igual aquele cantor americano, Elvis Presley e ninguém fala nada. Aqueles tal de hippies também são todos esquisitos, não cortam o cabelo, não fazem a barba, mas ninguém fala nada porque é a nova cultura. Agora eu, só porque sou um João ninguém, já me chamam de louco. Mas como não quero te contrariar vou tirar as roupas do Borba Gato e guardar dentro de um baú. Só quero que me prometa uma coisa: Quando morrer quero ser enterrado com elas.

_ Tá bão- Frederico, eu prometo, agora vai tirar essa coisa horrorosa.

 

 

 

Frederico continuava obstinado em seu intento de encontrar o tacho de ouro. Já agora não se importava em anunciar publicamente o seu chamado para aquela missão. Por todo o Barro Preto corria o boato sobre sua busca de conhecimento e preparação para realizar sua empreitada, bem como sobre seu comportamento estranho com falas sobre ser escolhido por Deus para encontrar o tacho de ouro que até então muito se falava a respeito, mas ninguém tinha encontrado. Mas também corria o boato de que poderia estar perdendo o juízo, a tal ponto que seus parentes próximos alimentavam a ideia de uma possível internação. Outros por sua vez, não viam nenhum indício de loucura, uma vez que tudo que fazia e dizia, seguia uma lógica razoável, que de certo modo respeitava as leis da sanidade. Afinal, sempre dizia coisa com coisa, não arrancava a roupa do corpo, não mordia em ninguém. Também não rasgava dinheiro, muito pelo contrário, seguia à risca seu planejamento com os gastos pessoais, de tal modo que sua

reserva durasse até o dia quando finalmente encontrasse o tacho de ouro. No meio desse fogo cruzado, estava Dolores, que aquela altura, não sabia mais o que pensar, a não ser que deveria ser fiel ao esposo como havia prometido no altar: Tanto na pobreza, quanto na riqueza, tanto na saúde quanto na doença. Via-se disposta a continuar ao lado do marido, tanto para o bem, quanto para o mal. Fiel com ouro, fiel sem ouro. Esse era também o posicionamento de Nazaré, sua amiga de confissões quase diárias ao pé das janelas de ambas as casas, de quem saia bons conselhos, embora tivesse também cocegas na língua e não fazia nenhuma cerimonia para ajudar a espalhar as esquisitices de Frederico...

 

 

Dolores estava preocupada, pois após ler todos os livros, Frederico inventou de permanecer o dia todo dentro de um dos quartos, saindo apenas para satisfazer suas necessidades fisiológicas ou quando muito ir ao quintal respirar um pouco de ar puro. E numa daquelas escapadas, ela aproveitou para lhe confrontar sobre sua mais nova mania:

_ Homem de Deus - o que acontece agora que fica o tempo todo trancado dentro desta casa?

_ Preocupa não, é coisa minha, deixa pra lá.

_ Como não me preocupar? Vamos, se abra comigo, quem sabe não posso te ajudar.

_ É que estou em meditação profunda durante as duas últimas semanas, esperando que Deus me mostre onde está o tacho de ouro.

Dolores balançou a cabeça:

_ Então oce acha que ele vai te dar esse tal tacho assim de mãos beijadas? Ou melhor dizendo, Ocê acredita que Deus te predestinou mesmo para encontrar esse maldito ouro?

_ Mas é claro que é verdade, as coisas foram caseando, me deixando mais convicto a

cada dia.

_ E durante esse tempo todo ele não te falou nada?

_ Não, mas talvez esteja provando minha paciência, pra ver se creio mesmo nele.

_ Ah é! Então ele não vai te falar mais nada, sabe por quê? Porque agora você precisa fazer sua parte e sair a procura. Por a mão no enxadão, na picareta e na pá e cavoucar muito mesmo. Vai ficar com as mãos cheias de bolhas e com os braços doendo tentando atravessar as centenas de pedras que tem aqui na nossa região. Por que estou dizendo isto? Porque Deus faz a parte dele, mas os homens também têm que fazer a sua. Já que tem lido a bíblia, leia toda ela e não só as partes que te convém. Davi teve que enfrentar Golias, Noé teve que trabalhar duro pra construir a arca, os discípulos tiveram que arredar a pedra que fechava o túmulo de Lazaro. Então saia do casulo é vai trabalhar se realmente quer encontrar o tal tacho de ouro. Dizem que está enterrado perto da antiga fazenda da povoação. Será que o novo proprietário vai deixar você revirar suas terras? E onde pode estar ele? Quanto terá que cavar e onde cavar? Vai encontrar pessoas pra te ajudar? Quanto vai cobrar?

Frederico acabou ficando mais uns dias encasulado, já agora não esperando a resposta divina, mas por conta das questões expostas por Dolores que o deixou mais confuso ainda. " Será que estou ficando doido mesmo"? Talvez Dolores esteja certa? Talvez tudo seja fruto da minha imaginação. Mas a imagem das estrelas reluzentes continuava fresquinhas em sua memória. Então concluiu que não deveria retroceder. Assim, após tomar um café reforçado desceu o morro do Cuiabá e foi se encontrar com o Sr. Nazário, novo proprietário da antiga fazenda da povoação.

_ Bom dia sr. Nazário, como vai?

_ Bem obrigado. E o senhor?

_ Bão também uai.

_ Mas então, o que te trás aqui?

_ É o seguinte sr. Nazário, todo mundo fala que tem um tacho de ouro escondido aqui em suas terras. Gostaria de saber se o senhor me autoriza a tentar encontrar ele?

.

_ O Que? Tá ficando maluco? Impossível ter esse tacho por aqui. Tire isso da sua cabeça. Essa história de tacho de ouro escondido tem em muitos lugares, mas não passa de uma lenda. É só especulação. É melhor Ocê continuar na sua vida de ferreiro.

_ Mas e se tiver mesmo o tacho por aqui e a gente encontrar ele? E se eu disser que tive um sonho em que me encontrava trabalhando na ferraria esquentando uma barra de ferro e de repente vi umas pedras de ouro dentro de um tacho. Então, imediatamente larguei a barra de ferro e comecei a pegar as barras de ouro, coloquei algumas dentro do cadinho e levei ao fogo. Assim que derreteram comecei a encher algumas vasilhas com formato de estrelas que após esfriarem, retirei das formas e então pude ver algumas estrelas de ouro reluzentes a minha frente. O brilho era tão intenso que quase fiquei cego. No outro dia um freguês chegou na tenda e começou a falar que na antiga fazenda da povoação existia um tacho de ouro enterrado em algum lugar. E no outro dia outro freguês me disse que o senhor Licurgo, antigo proprietário falou que em sonhos o coisa ruim afirmou que contaria onde estava o tacho se ele vendesse sua alma. Por conta disso, creio que Deus me incumbiu de encontrar o tacho. E para me preparar para esta missão, li muitos livros que falam sobre sonhos, sobre os Bandeirantes, bem como sobre táticas utilizadas para encontrar ouro. Por exemplo, aprendi que os bandeirantes enterravam o ouro debaixo de uma pedra para quando voltarem de suas empreitadas, recolher todos e os levarem para a capital vila Rica. Quem sabe não tem um tacho cheio de ouro debaixo de uma dessas pedras que tem em sua propriedade?

O senhor Nazário ficou pensativo, coçou a cabeça e falou:

_ Sua narrativa é muito bonita, já conheço sua história e todo mundo tem falado muito

de você – Frederico o maluco sonhador. Você tem boa intenção, mas seu plano é muito difícil de colocar em prática. Sugiro que espere Deus lhe revelar onde tá o tacho. Mas vou lhe dar uma chance. Pode procurar por ai e se encontra-lo me dê 20 por cento. Pode cavar onde quiser, mas terá que entupir os buracos cavados. Só te falo que por aqui deve ter umas duzentas pedras grandes, umas trezentas médias e muitas pequenas. Ah! Lembrando também que os bandeirantes não deixavam o ouro debaixo de qualquer pedra, para não ficarem fáceis de serem achadas. Ocê tem três possibilidades. Sair cavando feito besta por aí; esperar que seu Deus mostre onde tá o tacho. Ou esquecer estas ideias malucas e voltar a trabalhar como ferreiro, o que faz muito bem, inclusive tem muita gente sentindo falta dos seus serviços.

Frederico decidiu atender aos conselhos de Dolores quando ela disse que ele deveria sair a campo atrás do ouro. Assim, sem perder tempo, andou pelo Barro Preto e procurou a dedo por alguém que fosse junto com ele, para cavar e cavar a procura do tesouro escondido. Por ser um trabalho duro, que exigiria coragem, desprendimento, força e ambição, os candidatos deveriam ser homens fortes e destemidos, sujeitos acostumados com serviço braçal, tipo destocar brejos, derrubar mata fechada, construir regos d’água, quebrar pedras, alguém que pegasse no chifre do boi caso fosse preciso. Que fosse também ambicioso e sonhasse com a possibilidade de encontrar ouro, assim como o sonhador Frederico sonhava. E para tentar aguçar aquele desejo, prometeu dar aos candidatos escolhidos uma pedra de ouro. Com muito custo encontrou dois interessados; o João do Brejo e o José da Mata. Feito o trato, combinaram de começar no dia seguinte, bem cedinho.

E no dia seguinte saíram bem cedinho mesmo. Dolores fez almoço de madrugada e deixou tudo pronto ao gosto do marido. Cada um levava uma enxada, um enxadão, uma pá, uma picareta e um facão para acudir alguma necessidade de imediato. Desceram o morro da cava funda em direção a propriedade do Sr. Nazário, onde ficava a antiga fazenda da povoação. Quando chegaram, o proprietário estava ajudando os filhos na ordenha das vacas.

_ Bom dia Sr. Conforme combinamos vim cavar suas terras a procura do ouro.

_ Bom dia Frederico. Então não desistiu mesmo. Pode cavar por aí, mas cumpra nosso acordo e tampe os buracos . Ah e se achar o ouro, não esqueça do nosso combinado.

_ Pode deixar, sou homem de palavra.

Cumpridas as formalidades, os três entraram na propriedade e andavam de um lado para outro, sem saber ao certo onde começar. Frederico olhava, analisava, coçava a cabeça e não saia do lugar. O tempo passava e nada de começar as atividades. Assim os dois camaradas resolveram sentar numa pedra e fazer um cigarro de palha.

_ Patrão, não é por nada não, mas vamos ficar assim até quando? O sol tá subindo e daqui há pouco vai esquentar. Na fresca o serviço rende mais.

_ Não esquenta não, estou decidindo onde vamos cavar. Não sei não mas tô com uma sensação que ele pode estar debaixo daquela paineira. Parece ser antiga com chances do tacho estar por ali. Venham vamos cavar.

_ Mas patrão não temos que procurar debaixo de pedras?

_ Sim, mas pode ser também que esconderam aqui para despistar. Hoje vamos cavar aqui. Se for o caso, a gente muda de estratégia,

Começaram a cavar e aos poucos os enxadões iam rompendo o chão duro cheio de pedregulhos que circundavam a arvore. Não demorou muito para que Frederico ficasse com as mãos cheias de calos, conforme Dolores tinha dito. Por fim, deixou a tarefa para os companheiros e ficou por conta de supri-los com água fresca que trazia da mina, por meio de uma cabaça, a mesma que usou quando leu os livros pegos na biblioteca.

À tarde o tempo começou a fechar e anunciava que uma forte chuva estava a caminho. Àquela altura, um enorme buraco circundava todo o tronco da arvore, que parecia estar presa somente pelas grandes raízes. Os dois companheiros demonstravam sinais de cansaço e, contrariando as expectativas, nenhum vestígio da presença do tesouro.

_Senhor, não é melhor a gente ir embora pra casa e voltar amanhã? Vai cair uma tempestade e é perigoso.

_ Sosseguem, tenham coragem! Recebi uma missão de encontrar o bendito tacho de ouro e por isso estamos protegidos. Um grande feito exige correr riscos, mas o sabor da conquista vem carregado de satisfação plena!

Uma grande tempestade se formou. Relâmpagos riscavam o céu de um lado a outro, seguidos por trovões que pareciam um campo de batalha, como canhões atirando para todos os lados. Ventos fortes balançavam a paineira que parecia tombar a qualquer momento.

_ Senhor, vamos embora antes que a gente morra.- gritou o Zé do Brejo.

_ Tenham paciência que logo passa. Tó vendo um buraco sem nuvens pro lado do macuco. Ela já tá indo embora.

De repente um grande estrondo causado por um raio caiu em uma arvore próximo onde estavam, rachando seu tronco em duas metades, com cada uma delas caindo ao chão. Não deu outra, os três saíram correndo, com Frederico gritando:

_ Corram! Vamos sair daqui antes que um raio caia também em nossas cabeças.

Com muito custo chegaram ao curral do senhor Nazário e se esconderam na beira de um paiol. Nazario abriu uma das janelas e de la pode vê-los completamente ensopados e tremendo de frio, parecendo franguinhos encarangados. Depois que a chuva deu uma trégua, foram embora pra cidade. E se demorassem um pouco mais não atravessariam a ponte do Cuiabá, cujas águas em seu leito bufavam pedindo passagem.

 

 

No dia seguinte Frederico amanheceu com o corpo todo dolorido, além de uma cara fechada que parecia ter brigado com o mundo. Dolores só observava e não falava nada. Cada um ficou no seu canto, ambos com medo de iniciar uma conversa e não ser correspondido ou ser mal compreendido. Mas ela perdeu a paciência e puxou conversa.

_ Conta aí, como foi o dia de ontem? Cavaram bastante? Encontraram algum sinal do tacho?

-Não quero tocar nesse assunto. Acho que fui iludido. È muito difícil encontrar o tacho de ouro.

Dolores sentou-se a seu lado, segurou em suas mãos e falou:

_ Frederico, me ouça pelo amor de Deus! Você é um bom marido, é trabalhador, inteligente. Largue dessa ideia de querer encontrar esse tacho de ouro. Vamos voltar pra nossa vidinha sossegada que a gente tinha. Volte a trabalhar na ferraria. Toda hora tem alguém batendo a porta perguntando se oce não pode fazer um servicinho. Seus fregueses de tantos anos estão se sentindo abandonados. Oh homem de Deus- me dê ouvidos pelo menos uma vez na vida!

Frederico fez uma cara de coitado, mas depois falou:

_ Você tem razão, mas aquele sonho me enfeitiçou, não consigo voltar atrás.

_ Tá vendo, quando falo que aquele tacho é maldito, você fica bravo comigo. Mas ele deve ser amaldiçoado sim por isso que até hoje ninguém colocou a mão nele. Deve ter sido garimpado à custa de trabalho escravo. Deve pertencer aos espíritos maus. O coisa ruim deve ser o dono dele. Pois ele não fez aquela proposta indecente ao sr. Licurgo. Agora tô entendendo. Todo mundo que tentar ir atrás dele fica enfeitiçado.

- Dolores, pare de falar bobagem.

- Bobagem não senhor! Vamos falar com o padre Zezinho agora mesmo.

Dolores estava apavorada com a situação e tentava a todo custo arrastar Frederico até a paroquia e pedir ajuda ao Padre Zezinho. Mas ele resistia àquela ideia, afirmando que quem estava louca naquele momento era sua esposa. Mas ela não se deu por vencida, implorou por ajuda a Nazaré que se associou a ela numa forte argumentação, de tal modo que dentro de pouco tempo já estavam aos pés do vigário. Dolores então se apressou a dar os motivos daquela visita inesperada:

_ Boa tarde padre, tenha misericórdia de mim e me ajude, eu imploro por tudo que é sagrado! Me ajude a livrar o Frederico desse feitiço que tomou conta de sua alma.

O padre então tentou se inteirar sobre o que estava acontecendo:

_ Meus filhos, acalmem-se senão vão ficar loucos e eu também!

_ Quem está louco é a Dolores com essa ideia de feitiço.

_ Olha quem fala, você que começou com sua loucura no dia em que sonhou com o tacho de ouro. E o Barro Preto todo já sabe de suas esquisitices não é de hoje,

O Padre então perdeu a paciência e falou de maneira enérgica:

_ Ou vocês se acalmem e me expliquem o que está acontecendo, ou então podem se retirar da minha presença agora mesmo.

Nazaré pediu ao casal que esperassem onde estavam, enquanto ela e o padre Zezinho se dirigiram até a sala da eucaristia. E lá, discorreu com muita clareza sobre o ocorrido, expondo os fatos que evidenciavam um possível desequilíbrio de Frederico. Após decorrido certo tempo, ambos se ajuntaram novamente ao casal, momento em que o padre expos seu ponto de vista:

_ Frederico – meu filho! Tome cuidado e procure agir com a razão. Esta história de que existe um tacho de ouro enterrado em algum canto, não acontece só no Barro Preto. Esse boato ocorre em todo o Estado de Minas, principalmente nas regiões em que teve muito garimpo. Não posso afirmar que não existe, mas como encontrá-lo? Talvez não vale a pena se tornar obcecado por algo duvidoso, ao ponto de perder o juízo e o sossego. Não vale a pena se tornar escravo do ouro ou de qualquer tipo de riqueza! Ainda mais quando tal descoberta é apenas uma possibilidade. Portanto, vá pra casa e pondere sobre o que disse. Vale a pena perder uma vida tranquila e o respeito da comunidade por algo incerto? E se de fato ele existe, seria como encontrar um anel no oceano.

_ Quando saíam do templo eis que um velho barbudo e corcunda foi ao encontro deles e se colocou a frente dos três e lhes pediu que dessem ouvidos a ele por alguns minutos. Todos se espantaram, pois não esperavam ver aquele senhor naquele momento.

_Mas quem é o senhor? Qual o seu nome? Nunca te vimos por aqui. – perguntou Nazaré.

_ Quem sou não importa, o que importa é o fato de que tenho boas palavras que vai sossegar o coração de todos vocês. Enquanto falava com o padre eu estava ajoelhado no canto da igreja e pude ouvir a conversa. Frederico, você foi predestinado para encontrar o tacho de ouro! Sossegue e espere, tenha paciência que na hora certa ele estará em suas mãos. Faça promessa a São João que te atenderá e te mostrará onde está o tacho. Para garantir, faça promessas também a santo Antônio e a São Pedro. Reze o pai nosso todos os dias e visite o asilo duas vezes por semana, durante quatro meses, e você Dolores, apoie seu marido e esqueça esta ideia de feitiço. E pra você Nazaré, sugiro que tome mais cuidado com sua língua.

Frederico gostou das palavras de incentivo do velho, mas Dolores não demorou muito para contestar:

_ Não vamos dar ouvido a esse senhor. Deve ser mensageiro do coisa ruim pra nos enganar. É muito estranho a gente acabar de ouvir as belas e sábias palavras do Padre e do nada, aparecer esse velho barbudo dizendo o contrário. Eu nunca vi esse senhor. Você já o viu Nazaré?

_ Nunca.

Frederico estava muito feliz após a realização das três festas que fez aos santos são Pedro, santo Antônio e são João. Sua casa se encheu de gente para saborear os doces, broas de pau a pique e quentão, tudo preparado por Dolores e Nazaré. Teve até um baile animado no terreiro. Sua autoestima foi elevada, pois o povo do barro Preto esqueceu suas maluquices e via nele um bom cristão, um homem de bom coração, um católico praticante a dar exemplo para todos. Alguém chegou a propor ao padre Zezinho que o deixasse participar da liturgia nas missas de domingo, mas o padre não concordou com aquela ideia. Dolores e Nazaré entraram na onda e gostaram muito daqueles momentos festivos, embora pensassem que tudo aquilo fazia parte das paranoias de Frederico que, naqueles dias tinham se amenizado ou apenas dado uma trégua.

E não é que as duas tinham razão. Passado um mês Frederico concluiu que tudo que tinha praticado fora em vão. Fez as contas, foram rezadas 635 vezes o pai nosso, 635 ave Marias, 120 visitas ao asilo, frequentado a missa de domingo por quatro meses seguidos, gastado do seu orçamento 800 contos de reis para realizar as festas e nada de resposta dos santos sobre o paradeiro do tacho de ouro. Era domingo e ele estava pronto pra ir a missa, então resolveu sair mais cedo para falar com o padre e expor toda a sua indignação. Dolores tentou persuadi-lo para que não fizesse tal loucura, mas nada adiantou, parecia cuspir marimbondos de tão nervoso. Saiu apressado, bufando feito um boi atrás do toureiro. Dolores chamou Nazaré e saíram logo depois para tentar impedi-lo de tal loucura. Mas nada adiantou.

Frederico chegou à igreja e foi entrando rapidamente, pisando forte no assoalho, assustando o coroinha que estava presente:

_ Onde está o padre Zezinho? Preciso falar com ele .

- Acalme-se meu senhor, o padre está na sala se preparando para a missa.

Mas não adiantou, caminhava a passos largos com o semblante fechado e um olhar fixo para a porta de acesso onde estava o padre. Entrou sem bater deixando o padre muito assustado.

_ Frederico o que aconteceu, parece transtornado?

_ Estou transtornado, revoltado, indignado e arrependido de mexer com seus santos, pois não tem palavra, não cumprem o trato que faz com a gente. Rezei 635 pais nossos, 635 ave Marias, fiz visita ao asilo por 120 vezes, gastei 800 contos de reis nas festas e até hoje não tive resposta sobre onde está o tacho de ouro.

- Meu filho acalme-se. Senta aqui e vamos conversar.

Frederico não se assentou e caminhava de um lado para outro.

_ Frederico me ouça, por favor. As coisas nem sempre acontecem como a gente espera e nem no nosso tempo.

_ Mas eu cumpri as promessas e não fui atendido, esses santos não passam de nada.

_ Me escute, por favor. Não tenho bola de cristal para saber por que seu pedido não foi aceito, mas sei de algumas possibilidades ou alguns motivos. Primeiro, pode ser que achem que tal tacho não existe. Segunda possibilidade, entenderem que você fez apenas um negócio com eles, você estava interessado somente nas riquezas materiais, dinheiro, prestígio. Mas estas coisas não são mais importantes para eles e nem para você e todos os homens da face da terra. Não podemos fazer negócios com Deus e com seus santos. Você afirmou que os santos fizeram um trato com você, não, eles não fazem trato com ninguém. Peço que reconsidere suas palavras e atitudes, peça perdão e sente-se lá no banco e ore a Deus por você. Aliás, não sei o que faz aqui, pois não fui eu que te aconselhei a fazer as festas. Pelo contrario, pedi pra abandonar estas ideias malucas. Então, reconsidere suas palavras e atitudes.

Frederico então retirou o chapéu, abaixou a cabeça e saiu feito um cachorrinho com o rabo entre as pernas. Ao sair deu de cara com Dolores que imediatamente foi ao seu encontro e foi rechaçada veementemente:

_ Me deixe em paz, quero sumir no mundo.

 

 

Após sentir-se excomungado pelo Padre Zezinho, Frederico foi aconselhado a procurar um missionário que estava na cidade fazendo muitos prodígios e milagres. A princípio ficou resistente àquela ideia. No entanto, vendo que o tempo passava sem obter nenhum êxito na revelação sobre o paradeiro do tacho de ouro, resolveu participar de um culto na igreja onde o missionário estaria presente, denominado “Encontro com Deus, aqui o milagre acontece”. Frederico foi sozinho, pois Nazaré desistiu de seguir e fazer parte das suas loucuras. A sala da reunião estava lotada, o líder religioso falava bem alto, exortando o povo sobre a necessidade de ter fé. Como chegou atrasado, sentou- se no último banco e fazia de tudo pra não ser notado. Fazia muito barulho no local, muita cantoria, batida de palmas e incessantes Gloria a Deus. Frederico pensou em ir embora, mas resolveu continuar. A certa altura, o missionário visitante foi chamado para fazer uso da palavra:

_ Meus queridos, é um prazer estar aqui nesta noite, saiba que hoje Deus vai operar um milagre em sua vida. Você que está presente conosco, quero dizer que não é por acaso que Deus te trouxe aqui. Você que busca por uma vitória em sua vida, quero dizer que a vitória virá sobre sua vida. Você está preparado para receber a benção que Deus preparou pra ti? Não importa qual seja o seu problema, não importa o quão grande seja, pois para Deus não há impossíveis! Deus tem me revelado que no nosso meio tem alguém necessitando de uma revelação divina, alguém que sente que Deus tem um plano pra ele. Todos creem nisso? Se você crê, de gloria a Deus bem alto. Digam amém. Portanto, se você sente que Deus está falando contigo, levante- se, dê um passo a frente, dê um passo de fé, pois sem fé é impossível agradável a Deus, a fé move montanhas. Não tenha vergonha, olhe somente pra Jesus. Deixe seu preconceito. Jogue fora seu orgulho e venha desfrutar das maravilhas que Deus fará em sua vida.

Frederico se levantou foi a frente e se posicionou diante de um senhor alto e forte. O missionário então continuou:

_ Qual é o seu nome meu filho?

_ Frederico.

_ Qual é o seu pedido, irmão ou qual é o seu problema?

_ É que sinto que fui predestinado por Deus para encontrar um tacho de ouro que está enterrado em algum lugar lá na antiga fazenda da povoação. E gostaria que Ele me levasse até o local onde ele está.

_ Muito bem. Mas me diga uma coisa: se você achar o tacho, você promete diante de Deus aqui agora e diante dos irmãos que dará 20 por cento do ouro pra nossa igreja? Promete?

_ Sim, eu prometo.

_ Muito bem, Glória a Deus! E você tem fé que Deus fará isso em sua vida?

_ Sim.

_ Então como prova de fé e também por gratidão, você teria coragem de entregar pra Deus, todo o dinheiro que tem em sua casa neste momento?

_ Sim, eu tenho.

_ Gloria a Deus irmão! Então assim que o tesoureiro pegar o dinheiro em sua casa, Deus vai revelar a você em sonhos onde está o tacho de ouro. Vá com Deus e creia, pois, Deus já atendeu ao seu pedido. Não vamos revelar aqui agora pra não correr o risco de alguém correr e chegar antes de você ao local onde está o tacho de ouro. Vai em paz meu irmão.

E no dia seguinte o tesoureiro foi buscar o dinheiro prometido, mas Frederico entregou-lhe apenas 20 contos de reis.

_ Mas é só isso que tem em sua casa?

_ Sim, é só isso. O missionário perguntou se doaria tudo que tinha em casa, mas não perguntou quanto seria. E esse é tudo que tenho. Então minha promessa foi cumprida. Agora é só esperar a revelação prometida.

 

Frederico após esperar em vão pela resposta divina prometida pelo missionário resolveu ir tirar satisfação com o dito pregador, mas ele já estava longe, indo para outra cidade fazer novas promessas vazias. Mas desta vez não ficou nervoso, pois já tinha notado que tudo aquilo era mais uma tática de arrancar dinheiro dos pobres fiéis sonhadores, dentre os quais estava ele, Frederico, o sonhador.

Na saga de encontrar saídas sobre o paradeiro do tacho e, após suas decepções com os santos e com o missionário, foi buscar respostas em outros caminhos. Participou de um ritual em um centro de Umbanda, mas nada adiantou. Foi também a um centro espírita localizado na cidade vizinha, porém sem êxito. Por último, encontrou-se com uma linda cigana que leu sua mão, deixando-o mais animado com sua formosura e encantamentos, do que propriamente com a promessa de alcançar seus objetivos...

Por fim, já estava pensando em desistir e dava indícios de que brevemente reabriria sua ferraria. Dolores se conteve e não deixava transparecer sua alegria em notar que o marido dava provas de que estava sendo curado daquela loucura, feitiço ou sabe-se lá o que...o importante é que suas orações estavam sendo ouvidas e brevemente suas vidas voltariam ao batidinho de sempre. Fazia questão de compartilhar sua alegria com Nazaré.

Até que num belo dia ele realmente abriu as portas aos fregueses e estava pronto para colocar sua arte de trabalhar com ferros, quando chegou o senhor José Carvalho e solicitou que amolasse uma de suas ferramentas.

_ Bom dia Frederico, como tem passado?

_ Bem e o senhor?

_ Vou levando. Mas me conta como anda sua sina de encontrar o tacho de ouro?

_ Não encontrei ouro nenhum.

_ Mas chegou a procurar por ele.

_ Sim, procurei. Mas como procurar um tacho de ouro que pode estar debaixo de quinhentas pedras? Mas pensando bem quem sabe o senhor pode me ajudar? Uai! O senhor é um homem inteligente e vivido. Gosta de inventar engenhocas movidas a roda d’água, conhece muito sobre transmissão de engrenagens e tem muitos engenhos de cana montados por aí. Quem sabe pode me dar uma luz? Porque com os santos não tento mais, com os pentecostais também não. Já apelei para os espiritas e com os pais de santos e nenhum deles me acudiu. Esbarrei com uma cigana, mas na verdade quase me esqueci do tacho e da Dolores que até pensei em fugir com ela. É sabido que o senhor já desvendou alguns segredos envolvendo maquinas, já ensinou muito aprendiz sobre produzir energia com roda d’água e muita gente tem o senhor como mestre.

_ Posso tentar te ajudar uai! Se fosse você eu tentaria de novo. Raciocina comigo. Não esconderiam o tacho ao lado de uma pedra e sim debaixo dela. Correto? Pois se colocassem ao lado, alguém poderia achar facilmente, bastava cavar. Também não esconderiam debaixo de uma pedra grande e pesada. Pois naquele tempo e até hoje ninguém consegue levantar uma pedra desse quilate. Debaixo de pedras pequenas não colocariam, pois facilmente poderia ser removida pra um canto. Então meu amigo, vá lá e procure debaixo de pedras médias, pedras que poderiam ser deslocadas com a ajuda de bois ou por escravos fortes o bastante. Outra questão. Ao redor da casa grande tinha muita mata fechada. E eles teriam que esconder o ouro, mas também tinham que levar com eles uma referencia para passar as pessoas que voltariam para pegar. Então ele deveria estar próximo, para que não tivessem dificuldade de encontrar, mover a pedra e pegar o ouro. Então vá até lá, leve um grupo de pessoas ou algumas juntas de bois e remova as pedras médias que estão ao redor da antiga fazenda. O maldito deve estar debaixo de umas delas. Esse é o melhor conselho que posso te dar.

Os olhos de Frederico pareciam brilhar como quando viu as pedras de ouro em seu sonho! Agradeceu de joelhos e saiu apressado, deixando o mestre sem entender aquele comportamento, pois afinal, deu apenas uma dica, sem garantir que tudo terminasse como Frederico tanto queria.

Frederico saiu correndo da tenda e foi dar a boa notícia.

_ Dolores do céu! Já sei como encontrar o ouro! O mestre, não! O anjo da guarda me mostrou o caminho!

_ AH! Meu Deus! Vai começar tudo de novo essa loucura, esse feitiço que não desgruda da gente! Que anjo da Guarda homem de Deus? Como sempre deve ser um anjo do mal que quer continuar te seduzindo. OH meu Deus! Que fiz para merecer tudo isso?

_ É sério. O mestre José Carvalho me deu umas dicas que me deixou intrigado. Vou seguir seu conselho e tentar pelo menos uma vez ou quem sabe umas dez vezes. Ele me aconselhou a procurar debaixo de pedras médias e próximas, onde ficava a sede da fazenda, ou próximas da estrada. Hoje mesmo vou contratar algumas juntas de bois do Pedro Carreiro, preparar umas correntes na ferraria e vou sair amanhã cedo.

 

 

_ Bom dia Dolores!

_ Bom dia Nazaré!

_ Uai o Frederico fechou a ferraria de novo?

_ Nem te conto minha amiga! Eu já tava agradecendo a Deus pela recuperação do Frederico, mas seu desatino continua.

_ Então não desencartou nada da história do tacho?

_ Pra minha infelicidade não. Agora é o anjo da guarda que apareceu pra ele e mostrou o caminho das pedras de ouro.

_ Uai Dolores, a bíblia fala do anjo da guarda. Pode ser que Frederico esteja certo. Talvez tenha que dar razão a ele.

_ De jeito nenhum! Nunca que vou cair nesta armadilha.

 

No dia seguinte, bem de manhã, Frederico se levantou, tratou de fazer uma matula com comida, um pedaço de rapadura e uma garrafa de café, colocou tudo dentro de um embornal e saiu apressado em direção ao Cuiabá, com destino a antiga fazenda da povoação, onde se encontrou com Pedro Carreiro, que por sinal já o esperava com dois conjuntos de cinco juntas de bois bem amestradas, que aguardavam impacientes por um comando do velho carreiro.

_ Bom dia Senhor Pedro! Pronto pra jornada?

_ Bom dia Frederico. Claro. Minha boiada já está pronta pra começar o serviço.

- Muito bom. Vou falar com o senhor Nazario e pedir licença pra começar. Peço que me espere aqui na estrada.

_ Bom dia sr. Nazario, como vai?

- Bem uai. Tá animado com essa boiada toda.

_ Pois é, conforme combinamos vim procurar pelo tacho. Mas não vou cavar conforme sugeriu. Vou usar as boiadas pra remover as pedras.

Nazario deu um sorriso de desdém.

- Então vai remover todas as pedras da minha propriedade. Acho melhor contratar toda boiada da redondeza. Quem sabe assim você consegue remover todas elas....

-Quem sabe né.

Pedro Carreiro direcionou seus bois para dentro da propriedade e foi logo amarrando as correntes em uma das pedras. Frederico aguardava ao lado. O Carreiro então deu voz de comando para que fizessem força e logo a pedra foi removida. Correram a olhar, mas nada foi encontrado. Foram então em direção a segunda pedra. Tudo preparado, os bois esticaram os canzis, que por sua vez esticou os cambões, que finalmente removeu a pedra. E nada de tacho de ouro. Então deslocaram a boiada para outra pedra e após um esforço orquestrado pelos bois, nada. A tensão aumentava tanto quanto a tensão das cordas e correntes e nada. Pedro Carreiro resolveu dar um descanso aquela boiada e outra foi colocada a postos para a sequência do trabalho. Enquanto isso a anterior tomava um folego. O senhor Nazário nem acompanhava a empreitada, tamanha a descrença em relação àquelas ideias malucas. Frederico observava atentamente as pedras de porte médio que havia no lugar e tentava imaginar debaixo de qual delas estaria o tacho de ouro. Mais duas pedras foram removidas e nada. Mas de repente, ao moverem a nona pedra, notaram que debaixo dela havia outra. Todos ficaram eufóricos. Imediatamente um dos ajudantes pegou uma alavanca e tentou movê-la. Mas não conseguiu. Então outro foi ajudar. Depois de muito esforço a pedra foi tirada de seu lugar e eis que o tacho de ouro foi finalmente encontrado. Em êxtase, Frederico desmaiou e morreu de tanta emoção. Então pegaram seu corpo, bem como o tacho de ouro e os levou até Dolores. Ela, ao ver que Frederico morreu, caiu em prantos e se mostrava inconsolável. Nazaré tentou consolá-la, mas foi em vão. Até segunda ordem, pegaram o tacho cheio de ouro e o esconderam dentro de um grande caixote onde costumavam guardar mantimentos. Depois, pegaram as roupas do borba gato e a colocaram no Frederico. O Barro Preto inteiro participou do velório e antes que o corpo de Frederico o sonhador saísse para o cemitério, Nazaré pediu um tempo pra uma palavrinha:

Em nome da minha amiga e do meu amigo Frederico, agradeço a todos pela presença. Quero dizer que a Dolores tá de parabéns porque esteve sempre ao lado do Frederico. Ela dizia que seria fiel na riqueza ou na pobreza, na saúde ou na doença, com ouro ou sem ouro. Hoje ela tá sem o Frederico, mas ganhou um tesouro como prova de sua fidelidade. Após a benção do padre Zezinho, o corpo de Frederico, o sonhador, foi decido à sepultura.

 

Samuel araujo
Enviado por Samuel araujo em 21/08/2024
Reeditado em 21/08/2024
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