Petúnia
Acabei de reler mais uma vez Memórias Póstumas de Brás Cubas. Como adoro perceber novos detalhes e dar risada com a fina ironia do genial de um dos melhores escritores de todos os tempos.
Os livros me acompanham, com um deles nas mãos me sinto íntima de escritoras e dos homens das palavras. Cuido de cada livro como quem trata um bebê, tiró pó com delicadeza, mudo a organização deles na estante. Tem hora que organizo tudo por sobrenome, depois em ordem alfabética dos títulos (ignorando os artigos), ou reúno todos do mesmo escritor em um canto e deixo as lombadas formando um tipo de pintura em degradê.
Preciso tirar o pó das estantes de livros de tempos em tempos e acho divertido mudar os móveis de lugar e os livros de sequência. Tenho opção de ler e-books, mas nada me fascina mais do que o papel, a capa, as variadas edições, um exemplar antigo, um "garimpado" por mim em alguma loja ou sebo.
Meus livros têm histórias. Vários deles têm autógrados e alguns dedicatórias. Eu anoto na contra capa onde comprei e a data (algumas livrarias nem existem mais) se foi presente de alguém, grifo com lápis frases para destacadas as que mais me tocaram e marco algumas páginas com clipe fino, que não deforma as folhas. Dentro deles deposito comos marcadores de páginas que acumulei ao longo da vida. Alguns bem especiais.
Não empresto meus livros, combino com quem me pede que eu compro outro exemplar, se for o caso, e dou de presente para a pessoa.
Poucas vezes presenteei pessoas com livros do meu acervo. Nesses casos não foram meros presentes, tal gesto foi uma declaração de amor.
Antes de dormir eu coloco um pijama confortável e bonito, levo minha garrafinha térmica com água fresca, pego água de cheiro e espirro nos lençóis, aplico uns jatos fracos de "desodorante" suave na minha blusa, apenas algunas gotas, tem efeito calmante. Nesse momento preparo meu chá com folhas que eu colhi no meu jardim, onde não uso veneno, escolho o livro que vou ler , ajeito minhas almofadas, os travesseiros, o quarto é aconchegante, simples, bem decorado com peças que garimpei em lojas sem grife pela cidade.
Vou deitar sempre bem acompanhada: Clarice, Lygia, Barreto, Machado, e alguns russos sempre revezam minha atenção. Além dos clássicos as escritoras contemporâneas também têm vez. Devoro poesia, tenho fases, me apaixono e daí quero ler tudo que a pessoa escreveu. Adélia, Cora, Cecília e Pessoa ocupam seus lugares cativos.
Sebos, os poucos que restaram, uma pena, são para mim uma espécie de parque infantil daqueles cheios de piscinas de tamanhos variados em dia de sol forte.
Minhas amigas, colegas do meu antigo trabalho, namorado e familiares sabem qual é o presente que considero perfeito, também gosto de vasos com plantas, geleias não industrializadas, pães artesanais de fermentação natural. A opção mais fácil parece ser encomendar um vale-livro em um site ou em uma livraria em um shopping qualquer. Que bom.
Se ganho livros vem junto o tiquete da loja para troca, . Não é fácil acertar qual título eu ainda não li.
Otto, meu namorado está sempre viajando, trabalha com um caminhão pegando a estrada, ele adora, aparece aqui de tempos em tempos, quando volta para casa. Para mim está perfeito. Penso que nós dois somos o exemplo da relação equilibrada. Eu sou apaixonada pela minha casa, fiquei mais caseira ainda após a aposentadoria, e ele ama viajar. Trabalha com prazer, cuidadoso, e volta com saudade.
Eu não cobro que ele seja caseiro e ele não me convida para ir junto nem mesmo quando tem oportunidade de fazer algum trabalho e ficar hospedado em algum hotel simples, mas confortável por uma ou duas noites, até que toda a mercadoria esteja pronta para ser trazida do interior para São Paulo. Muitas vezes ele viaja à noite toda, me manda mensagem, chega aqui em casa bem cedo, passa para tomar café, descansar. Ele traz goma de tapioca , farinha de milho e flocão. Tudo delicioso e fresco que ele compra de pequenos produtores. Eu passo um café e a casa toda fica perfumada. É uma alegria.
O café da manhã é a principal refeição para mim e ele aprendeu comigo a não tomar apenas café puro.
Minha casa, meus quatro gatos, meus dois cachorros velhinhos, todos adotados em diferentes épocas da minha vida, mais meus vasos de plantas (meus antúrios, são destaque ) e temperos, o "cestinho" com água para os beija-flores, samambaias lindas e adultas que trato como pedras preciosas que precisam de diários e refrescantes jatinhos de água, juntamente com minha cozinha e minha estantes de livros pelo corredor que dá acesso ao meu ninho, também chamado de quarto, transformam meu lar em um lugar de onde eu pouco saio e para onde eu tenho muita vontade de voltar.
Deitar e dormir tranquilamente é sagrado. O sono me recompõe. Acordo cheia de energia. Relembro os meus sonhos , recordá Los é uma viagem.
Durmo e acordo cedo, preparo uma linda mesa de café da manhã para mim e para quem quiser aparecer, seja o namorado, alguma vizinha, uma colega que não vejo há muito tempo, algum parente.
Nem todo mundo entende minhas escolhas. Não espero aprovação. Pessoas se afastaram, novas amizades chegaram, alguns familiares mantém distância. Não me incomodo. Frequento festas e reuniões, chego cedo, aproveito, mas não fico até o amanhecer.
Cada cantinho da minha da casa eu limpo e organizo com amor e a certeza que foram décadas de trabalho para conquistar meu cantinho. Uma casa com dois quartos, o meu e um que transformei e um pequeno escritório, um quintal, e uma edícula, que é como os antigos chamavam um minúsculo quarto nos fundos da casa, onde há um lavabo. É ali onde dormem os animais, em um cantinho decorado por mim, limpo diariamente, com capricho.
Quando mais um dia de trabalho incessante e satisfatório dentro de casa termina eu eecolho meus animais (dia sim, outro não escovo os cachorros e um dos gatos que adora a brincadeira) que jantam cedo, logo apago todas as luzes externas, começo meu ritual, tomo meu banho, arrumo meu quarto, perfumo os lençóis, preparo meu chá com biscoitos não industrializados ou uma sopa, escolho meu companheiro, o livro.
O sono é melhor, muito gostoso, a cama mais aconchegante depois de uma boa leitura.
A televisão fica na sala e é ligada poucas horas por dia.
Música, livros, cheiro de café, comidinha fresca feita no forno, meus queridos companheiros de patas, os móveis sempre organizados, a decoração afetiva, chão exalando um cheiro fraco de desinfetante de eucalipto. Tudo isso me convida para ficar.
Eu fico, permaneço, crio raízes, estou ancorada por querer.
A porta da minha casa está aberta para receber os vizinhos, os colegas, os parentes que quiserem tomar um café com grão moído na hora (sim, tenho o moedor manual antigo que funciona com perfeição).
Eu vou na casa dos outros, festas e comemorações, mas gosto mesmo de ficar na minha casa . Receber meus amigos alimenta minha alma
Festas só com hora para começar ? Eu vou mas não escondo de ninguém que sou amiga do fim.