Um conto de Natal fora de época

Éramos seis, como naquele livro.

Seis filhos de uma família pobre, muito pobre mesmo, então não tínhamos brinquedo algum e eu me lembro que minha irmã mais velha me embalava e cuidava de mim com se eu fosse seu boneco, mesmo quando eu já não era tão novinho. Naquele tempo eu era até bonitinho, então ela me chamava de meu príncipe e me beijava na boca para que eu virasse um sapo, como naquele antigo conto de fadas.

Uma vez, quando o Natal se aproximava e nossos vizinhos, pobres também, mas com menos filhos e com empregos melhores do que meu pai, saíam para as lojas no centro da cidade para comprar brinquedos ou lembranças para suas crianças, decidimos pedir a papai que permitisse que adotássemos um gatinho abandonado como animal de estimação, que seria nosso brinquedo, digamos assim.

De modo algum ele permitiu isso. Quem ia comprar comida para o gato? Se ele ficasse doente quem iria pagar a conta do veterinário? Um gato pequeno não conseguiria dar conta dos ratos que habitavam os buracos de nossa casa, enfim, arranjou um monte de desculpas para que ficássemos sem o animalzinho.

Mas como papai também tinha coração, claro, mas que não era lá muito bom, porque acabou morrendo de um ataque cardíaco poucos anos depois desse episódio, disse que já que estávamos insistindo tanto iria comprar um presente de Natal para todos nós. Ficamos contentes, imaginando seis presentes diferentes, um para cada filho, talvez carrinhos para nós, meninos, e bonecas para nossas irmãs.

Logo na manhã do Natal corremos para o pé de goiaba que tínhamos no quintal, nossa árvore natalina, que havíamos enfeitado com papéis coloridos e tampinhas de garrafas de cerveja e refrigerantes que coletávamos nas ruas (para beber em casa só tínhamos água de pote mesmo e vez ou outra Ki-Suco preparado por nossa mãe). Debaixo da goiabeira havia uma grande caixa embrulhada com papel de presente que imaginamos conter nossos sonhados presentes.

Minha irmã mais velha balançou a caixa antes de abri-la e fez cara de espanto, porque apesar de grande estava leve demais, como confirmamos depois. Abriu, e para surpresa nossa dentro só havia um presente que era para todos os filhos. Tinha um gato lá, que não era aquele filhote que queríamos, nem mesmo era de verdade, tampouco de pelúcia ou pano. Era um gibi do Gato Félix, daqueles bem antigos e nem era colorido, uma história em quadrinhos em branco e preto, bem assim o retrato de nossa pobreza e desilusão.

Todos ficamos revoltados com papai, que bem atrás de nós gargalhava de prazer por nos ter enganado, mas nem era tanta maldade assim. É que ele tinha comprado e bebido quase uma garrafa de um vinho barato e já estava bastante alegre logo cedo. E o almoço daquele dia, mais tarde, até que não foi nada ruim, frango com macarronada, tubaína para beber e teve até sobremesa de gelatina de morango. Eu me lembro muito bem disso porque era raro ter um almoço assim lá em casa.

Mas o melhor veio depois, alguns anos depois, na verdade. Porque por conta daquele Natal, inesquecível para mim, foi que comecei a me tornar uma pessoa rica, aos poucos, claro. Pois aquele gibi do Gato Félix, pelo qual meus irmãos nem se interessaram, mas que eu li avidamente várias vezes e conservei comigo com muito cuidado dentro de uma embalagem de plástico por anos, era de fato a primeira edição da revista no país, valia uma nota preta: pura sorte minha!

Porque um professor meu, colecionador de revistas e livros antigos, quando eu já era um rapazola e estudava artes gráficas, comprou minha revista por um expressivo valor. Em seguida eu imediatamente troquei meus cruzeiros por dólares, sempre valorizados por aqui, mais ainda no passado, numa época em que os planos econômicos governamentais sempre acabavam dando chabu e incrementando a inflação. Depois, aos poucos, fui trocando os dólares por muitos cruzados, que substituiram os cruzeiros, e orientado por outro professor, aí já na faculdade de economia, fiz aplicações em diversos papeis rentáveis e nunca mais fiquei sem presentes no Natal. Tampouco meus dois filhos, mais tarde.

Um dia, quando contei essa história para meus netos eles não entenderam nada, absolutamente nada, desconfiaram que era tudo invenção minha (com todo o conforto de minha casa e as de meus filhos, como era possível que um dia eu tivesse sido um garoto pobre?), ficaram sorrindo para mim (ou rindo de mim, vá saber): nunca viram uma revista com história em quadrinhos na vida e do Gato Félix tampouco ouviram falar. Nem mesmo livros apreciam muito, apenas seus celulares.

Não tenho nenhum animal de estimação em casa, mas se tivesse algum optaria por peixinhos de aquário porque eles me parecem insossos, abrindo e fechando suas bocas o tempo todo como se estivessem bocejando de tédio. Gosto de observar os pássaros e demais bichos vivendo livres na natureza e uma vez visitei o Pantanal para vê-los de perto. Há uma porção de gatos vivendo no cemitério em que meus pais estão sepultados. Uma vez por semana visito seus jazigos e em vez de flores deixo sobre eles vários potinhos de ração para gatos, com a melhor que meu dinheiro pode comprar.

Sou feliz assim, Félix.