Margarida era filha de Dona Júlia e, foi a primeira mulher naquele pequeno povoado que fora trabalhar fora. Margarida teve uma educação apurada, contava com o incentivo da família, apesar de que seu pai era agressivo e autoritário. Dona Júlia era costureira e bordadeira e tomou iniciativa de forma escondida trabalhar e vender seus bordados. Margarida, invariavelmente, assistia seu pai maltratar sua mãe, apesar de que jamais era em público, mas sim, dentro de casa. Margarida definitivamente não queria casar-se. Afinal, casamento era espécie de tortura lenta e fatal. Um dia, Dona Júlia juntou dinheiro suficiente para dar um fusca a sua filha que acabara de fazer dezoito anos. Era um fusca azul... e iria dar para a filha no dia de seu aniversário. Colocara as chaves do carro dentro do bolo e, esperou Margarida ao cortar a primeira fatia, descobrir o presente. O pai de Margarida não ficou satisfeito, mas só brigaria no privado... Passou-se anos, morreu primeiro sua mãe e, mais tarde o seu pai. Jamais lhe perdoou todas as vilezas. As mágoas acumularam-se e, então, tanto que ficara solteirona e sem filhos, mas ajudava a cuidar de órfãos da cidade, que eram "filhos de ninguém", mas elas os adotavam de todo coração...Pensava que pelo menos que esse afeto não escravizava e, era puro e decente. Pouco anos de morrer, já muito enfermo, o pai de Margarida rogou-lhe o perdão. Religiosa como sempre ouviu, tranquilizou a criatura, e lhe afirmou com lágrimas que "Deus, Nosso Senhor, tudo perdoa". E, que não cabia a ela condenar a ninguém. Deu-se o último suspiro... veio as exéquias, e no dia do enterro o padre veio cobrar-lhe o perdão... Habilmente, escorregou por motivos insólitos, escapou por frestas metafísicas e, revelou que não seria hipócrita nem mesmo com uma pessoa cruel que tanto lhe traumatizou, isso já era uma misericórdia, por vias transversas.