Ela era médica...
Ela era médica em um importante hospital particular da cidade. Sua rotina como profissional era estressante, com uma carga horária excessiva, acima das suas possibilidades físicas e psíquicas, algo que não permitia que ela pudesse se alimentar, dormir bem e sequer pensar em vida social. Estava exausta, um paiol prestes a explodir. Rômulo, seu namorado, lhe cobrava mais atenção e envolvimento, mas ela, morta, quando em casa, apenas conseguia se arrastar até a cama depois do banho e se sepultar num sono plúmbeo. Um dia, no imenso corredor do branco hospital, abatida, com suas forças exauridas, ouviu de uma colega que Letícia, uma jovem poeta que se tratava de um gravíssimo tumor no estômago, havia falecido. Então toda a sua vida entrou em parafuso. Como um avião em um looping kamikaze, tudo girou. Teve que se apoiar na parede, tamanho o choque. Aquilo era um recado do Eterno para que ela modificasse sua rotina. Gritando, revoltada, atirou o seu jaleco no chão. Ficou aquele branco contrastando com a sujeira acumulada. Angustiada, mas ao mesmo tempo excitada, foi até a direção e se demitiu, saindo do hospital com uma alegria e um júbilo contagiantes, contrastando com a visão da morte estampada num corpo que vira no necrotério e que parecia lhe sorrir e lhe dizer, do fundo do seu óbito: “A gente não deve se matar por nada nesta vida e sim viver a cada minuto como se fosse morrer amanhã”. Então ela saiu correndo pela cidade se lembrando de Letícia e gritando “A Poesia morreu, a Poesia morreu, não podemos permitir!!!”, ante os olhares confusos dos seres vivos, mas não tão vivos a ponto de se darem conta disso.