Um Amor de Inverno.

Um Amor de Inverno.

Não existe receita para encontrar um grande amor, o que não podemos é limitar uma grande chance de conhecer alguém que possa ser feliz conosco, isso significa que não devemos ficar preso em nossas expectativas, não devemos nos prender ao lugar que a gente mora, à igreja que a gente frequenta, nem ao trabalho que a gente vai todo o dia, ou numa escola que a gente estuda. Você não sabe onde e quando o seu amor vai aparecer, ou se vai realmente aparecer. Não sabemos em que estação está presente, só sei que vivi um amor quando era bem novo, podemos chamar de um amor de inverno.

Pula a fogueira, iaiá

Pula a fogueira, ioiô

Cuidado para não se queimar

Olha que a fogueira já queimou o meu amor. “

Lembro como se fosse ontem, num inverno de festa junina, em que certo terreno baldio era capinado e enfeitado pelos vizinhos com as tradicionais bandeirinhas coloridas. O dia vinte e quatro de junho, noite fria misturada com o iluminar aquecido das fogueiras acesas da célebre noite de São João. Lá estava Marcelinha e meu olhar não saia de seu rosto. Ela já era uma amizade que havia na escola, o que mais me contagiava, era que estávamos ensaiando juntos todos os dias sob o comando da rigorosa professora que todos chamavam respeitosamente de Dona Marina . A noite de São João só era uma prévia de uma expectativa de um simples adolescente de quatorze anos de idade, que estava apaixonado por uma menina da mesma idade. O que vagava em minha mente era falta de coragem para assumir os meus sentimentos, que cada vez mais aumentava de maneira melancólica. E apaixonado sonhava de maneira que a imaginação ia longe nas ideias, se assistisse um filme, lá eu era o mocinho que beijava sua amada, se via dois namorados, então já imaginava juntinhos de mãos dadas, comendo pipoca no cinema, pegando filme na locadora ( era final dos anos oitenta, nessa época havia locadoras de filmes) , andando de patins no gelo na Barra da Tijuca.

Mas isso tudo era coisa de minha cabeça, a realidade é que não tinha nenhum jogo de cintura para conquistá- la , o que imperava era mesmo a timidez, às vezes mesmo como um raio eu camuflava e disfarçava, era um desconsolo se falasse algo errado, passei a falar menos, e não conseguia parar de ficar emudecido. Não era fácil lutar contra ela, a timidez, tentava me vencer, mas ficava com peso de minhas atitudes precipitadas, não era fácil carregar toda aquela aflição de pensar todo momento, havia algo de errado, de fato, eu não conseguia esconder aquela tal inibição.

Contudo era mágico cada dia de ensaio, era sempre uma alegria, sentia aquele frio na barriga, o drama era que às vezes me desligava e acabava errando um passes, e os colegas me repreendiam . Dona Marina gritava: O Victor, presta atenção! O ensaio era sempre feito no galpão, porque chovia muito naquele mês tão frio, íamos todos dias com um casaco de cor azul da escola. Eu chegava muito cedo ao colégio, porque meu pai me levava, também já pronto para ir seu ao seu trabalho, a névoa vinha a deixar o caminho esbranquiçado, e lá o meu velho me deixava , ao sair via aquele farol ligado e enfumaçado, um frio num lugar que era um alto de uma colina, e chegando antes de todo mundo, só havia o seu Jorge, que era o zelador da escola. Naquele ano de mil novecentos e oitenta e nove ficava por lá até às cinco horas e vinte cinco minutos da tarde, quando eu ia embora, voltava um tanto a pé, um tanto de ônibus acompanhados de meus coleguinhas.

Mas a vantagem de chegar cedo era exatamente, ficar no banco de madeira sentado, às vezes acompanhado de um chocolate quente para amenizar aquela friagem e olhando a quadra e as pessoas nas ruas passando com seus trajes de inverno, era uma vista panorâmica vista bem do alto, mas a expectativa maior era quem chegava, e era tão bom quando ela chegava, as duas mãos nos meus olhos, um perfume suave que me fascinava com uma pergunta: - Adivinha quem é ? E mesmo encasacada com uniforme do colégio, sua beleza me chamava à atenção, seus olhos eram da cor de mel, o nariz arrebitado, cabelos castanhos escuros e uma pele clarinha da cor da alvorada, se houvesse neve na Praça Seca, desapareceria.

Naqueles momentos falávamos sobre tudo, torcíamos para o mesmo time, gostávamos do mesmo prato, dos mesmo filmes, eram sempre agradáveis os nossos papos, tudo se acabava quando algum outro coleguinha chegava ou a sirene tocava, cada um indo para suas salas, ela quinta, eu na sexta série. Foi assim que fui me apaixonando, com a mais apaixonite aguda e inocente que um jovem recém adolescente poderia ter, pois a vontade de ver foi crescendo como naturalmente deveria crescer naquela estação invernal.

Os ensaios foram rolando cada coleguinha com o seu par, era o mais feliz com Marcelinha, mas uma felicidade iludida, de um sentimento que eu só sentia, estávamos cada vez mais afinados com os passos de cada dança. Era tudo uma maravilha .

Eu tinha escrito uma poesia tentando me declarar para Marcelinha, naquela semana tão fria do frio que fazia, e travado numa súbita aflição voltava a maquiar meus sentimentos com disfarce de minhas emoções.

Enquanto isso nas aulas de língua portuguesa, o professor Joel fazia uma associação de jogos de palavras com o meu colega Sandrinho, e chamava como vai a Sandrinha? Era um cara muito bacana, ele era até dois anos mais velho do que eu. Nessa época tinha repetência na escola, não havia dependência. Todos zoavam e ele ria, porque estava dando uns beijinhos numa menina, que ninguém sabia quem era.

O meu poema havia caído em mãos erradas, pois o Jone, um garoto que nenhum amigo gostava, por ser indisciplinado, implicante e briguento tomou de minha mão, eu disse: - Me dê isso aqui. E saiu correndo, e corri atrás dele. Ele foi para cima do muro e fui atrás dele, ele saiu do muro e passou pelo parquinho e eu atrás dele, ele foi descendo a rampa e eu mais veloz estiquei meu pé alavancando em sua nádegas fazendo cair, numa rapidez eu tirei o papel de suas mãos, e correndo de volta para o local de ensaio tomei um tombo ao tropeçar no galho e desmaiei, logo a pessoa que me socorreu foi a dona Marina que também era dona da escola, no hospital o médico disse que não houve nada demais, só tinha sido o impacto na hora, por cautela, só tirou um raio X e no bastante estava pronto para outra.

O que me admirou é que Dona Marina me paparicava ao invés de me dar uma bronca como sempre fazia. O bom que o Jone também tinha se metido em outra briga no mesmo dia e estava suspenso por um bom tempo. Então não iria perturbar a minha paz. Nesse dia era uma sexta - feira que não teve aula por ser somente preparação para festa Junina, tanto da montagem de barraquinhas, quanto do ensaio pois no dia seguinte era o grande dia, e também pretendia me declarar para quem estava apaixonado. Foi uma pena não participar do ensaio geral por causa da queda, mas tudo bem!

E finalmente chegou o grande dia, durante o dia ficou bem acinzentado com aquele vento frio de inverno carioca, só que no crepúsculo da noite, cingida de um colorido de xadrez dos caipiras por todos os lados, barbas pintadas, barracas lotadas, mesas, familiares em todo os espaço, várias brincadeiras, uma verdadeira magia de noite mágica, com cocada, pé- de- moleque, canjica, estalinho, bombinha, e balão japonês por toda a esfera do céu que surpreendentemente ficou estrelado despedindo todas as nuvens que estavam pelo ar.

E assim as quadrilhas foram se apresentando até chegar a apresentação de nosso grupo que cantava o Xote das Meninas de Luiz Gonzaga, parecia até uma ironia com os meus sentimentos o negócio também e que Marcelinha também estava com os mesmo sintomas de alguém apaixonado.

“ Mandacaru quando fulora na seca

É um sinal que a chuva chega no sertão

Toda menina que enjôa da boneca

É sinal de que o amor já chegou no coração

Meia comprida não quer mais sapato baixo

O vestido bem cintado, não quer mais vestir timão

Ela só quer, só pensa em namorar

(Ela só quer, só pensa em namorar)

Ela só quer, só pensa em namorar

(Ela só quer, só pensa em namorar)”

Quando cantava de manhã cedo era vinha pintada , achava que era por mim que estava apaixonada, de alguma forma eu sabia que também estava nutrindo algum sentimento, pois ela estava também suspirando e sonhando acordada, suas notas abaixaram e se sentia que nem eu adoentada, ela não pensava também em outra coisa a não ser namorar. A música deveria ser um sinal mais forte para eu me declarar. E naquela imagem da música, minha imaginação transformou num flash em uma linda noiva e um belo noivo numa dança de casamento, frações de segundos de quem constrói uma linda ilusão e não sabe o que fazer.

A quadrilha foi um sucesso, muitos aplausos, meus pais ficaram muito orgulhosos da grande performance na dança, na sincronia de todos os dançantes, foi uma maravilha, dona Marina satisfeita do resultado de suas broncas, digo do seu trabalho e desempenho como a coordenadora do ensaio.

E a festa continuava, depois de ter comido uns quitutes e falado com outros colegas de classe, fui procurar Marcelinha por todos os cantos e não a achava, perguntava e ninguém sabia, saia por todos os lados até que eu avisto ela sentada no nosso banco de todas as manhãs. Eu sentei e falei: - Tudo bem? Tudo, ela me respondeu já me perguntando: - O que está fazendo aqui, gostaria de falar contigo- O que você quer comigo ? - meio que titubeando nas palavras digo a ela - Eh, estou afim de ti ,porém numa reação de raiva e grosseria ela disse para eu sair dali naquele momento, triste e desapontado deixo ela naquele local, pego o meu bilhete e jogo fora no canteiro. Meu coração saiu devastado.

Em seguida Sandrinho chega e tasca um beijo em Marcelinha, já não estava mais presente no local, só fiquei sabendo dias depois pelos buxixos na escola e fui falar com o Sandrinho e ele num olhar caridoso de que sabia que gostava dela, disse a verdade, e acabei concluindo - agora faz sentido as piadas do professor Joel, na verdade Marcelinha é a Sandrinha. Como fui tolo! Meus olhos se encheram de água, incrivelmente Sandrinho me deu um abraço de consolo com um olhar sem graça!

E passei a sentar no banco de madeira antes de começar as aulas com aquele frio, o dia terminava e me encolhia no cobertor , o inverno ficou bem rigoroso e vendo Marcelinha de mãos dadas com Sandrinho bem à distância.

De repente algumas semanas depois uma menina do oitavo ano, chegou por trás de mim com as duas mão em meus olhos e falou comigo: - Eu achei essa poesia e achei muito linda e agora ela é minha e queria ter um namorado com esses sentimentos tão lindos sobre alguém, suas palavras são muito lindas. Só poderia responder com um - Obrigado. Qual o seu nome mesmo? - Vanessa, tá frio, né? - Sim, bastante! Você quer tomar um chocolate quente? Perguntei a ela . Acho melhor um abraço para quebrar um gelo, respondeu ela. E como prêmio eu ganhei um abraço! Será que aqui começa um amor de inverno?

Victor Rodrigues RJ
Enviado por Victor Rodrigues RJ em 28/04/2022
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