DIGO, OU NÃO DIGO.
Severino sempre muito preocupado em fazer dos filhos pessoas letradas não descuidou de encaminhar a filharada para escola.
Rino, assim era chamado o filho mais velho, o orgulho dos pais, visto que demonstrava bastante interesse pela escola. Era de verdade um traça livros de primeira. Por sua familiaridade com a escola e intimidade como os livros ele era bastante solicitado pelos professores, em todos os eventos escolares lá se encontrava Rino. Ao ser convidado para representar uma peça teatral, seu entusiasmo foi às alturas. E, Severino, orgulhoso, não falava em outra coisa, quando se encontrava na roda de amigos, principalmente quanto os goles de pinga lhe deixavam menos inibido.
Chegado o dia da estréia, todos na casa de Severino, se puseram em alvoroço, as meninas metidas em seus vestidos, de rendas e rococós. Gonçala buscou na caixa de sapatos, os sapatos de natal, presente vindo do Rio de Janeiro, os saltos já estavam bastante carcomidos, porém estavam bem lustrados. As mulheres todas bem prontas cheiravam a Noite de Estrelas, felizes subiram na carroça.
O salão Paroquial estava bastante diferente, uma cortina vermelha ao fundo dava-lhe ares de um verdadeiro teatro. Nos bastidores os aspirantes a atores e atrizes demonstravam nervosismo, a final, os professores, as autoridades políticas e eclesiásticas estavam presentes nas fileiras de cadeiras, mais privilegiadas.
Abriram-se as cortinas. Encantados e com jeito solene todos mantinham se atentos às falas. De vez em quando as risadas ecoavam e iam de desmanchando em murmúrios que eram desestimulados pelos coordenadores do evento que de tanto andarem com o dedo indicador junto aos lábios em sinal de silêncio, estes já estavam a ponto de câimbra.
Aproximava-se o ato final. Rino, entra em cena. Caminha cabisbaixo de um extremo ao outro do palco. Seu personagem fica nesse vai-e-vem alguns segundo o que pareceu a Severino uma eternidade. Depois de marcar bem a personagem através da expressão corporal, pedia o papel que a personagem parasse ao meio do tablado e muito introspectivo falasse – “Digo, ou não digo” e assim repetisse a frase por dois pares de vezes.
O silencio profundo e solene que reinava na platéia à espera do que tinha a dizer o ator, foi intempestivamente quebrado...
Severino, abruptamente, se levanta da sua cadeira, caminha ruidosamente em direção ao filho, sobe no palco, arregaça as mangas do surrado paletó de listras e ao tempo que ia retirando da cintura o velho cinturão de couro cru, de fabricação própria, de modo ameaçador falava ao filho: _ Cabra sem vergonha e sem respeito. Tu não tá vendo aqui o doutor Prefeito, seu Padre e esse mundão de gente mais, não? Todos que subiram aqui em cima disseram alguma coisa e tu fica aí abestalhado, caminhando dum lado pro outro e por fim fica com essa história de “Digo, ou não digo” “Digo, ou não digo”
Com a cinta já em punho: _ Pois tu não vai fazer essa desfeita a tua mãe e a mim diante de tanta gente importante. Tu vai é dizer agora, o que tu tem pra dizer, seu cabra desavergonhado...
A Diretora corre ao socorro do infeliz aluno.
Explica-se a fala do personagem pela professora ao pai.
Um pouco mais calmo e com o seu jeitão caipira Severino pede desculpas pelo comportamento “Meus meninos doutores são uns meninos, bom de tudo, Rino, um orgulho pra nós. Por isso fiquei nervoso com esse “Digo, ou não digo” “Digo, ou não digo” Pensei que era coisa da cabeça dele. Sabe como são os meninos quando ficam sabidos.
Reabrem-se as cortinas. E num improviso algumas palavras são deixadas aos convidados: O desconhecimento, às mais das vezes, leva a mal-entendidos, causando vexame não somente ao ignorante, mas, a todos que assistem ao espetáculo. As cenas podem, até serem bastante cômicas, todavia, trata-se de um escândalo. Contudo a sabedoria salienta-se expressivamente na humildade de se reconhecer o erro, sendo desnecessária a essa atuação ensaios e roteiros.