SEM OLHAR PARA TRÁS

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Da janela da sua casa, Ingrid olhava nervosamente o lago que separava as duas nações: do lado de cá o medo e a opressão das tropas de ocupação, do outro a liberdade. Até o dia anterior não temia pela sua vida e nem pela de seu marido Paul que havia se juntado à resistência contra os invasores; ela sabia que, escondido entre montanhas cobertas de neve e bosques impenetráveis, estava seguro.

No entanto, ele mesmo enviara um bilhete avisando que um traidor havia entregue à polícia os nomes dos membros do grupo e que, portanto, ela e os dois filhos podiam ser presos e em qualquer momento. Ia ser perigoso permanecer naquela casa, e nem procurar abrigo na morada de amigos podia oferecer segurança. A única solução, embora bastante arriscada, era atravessar, o mais rapidamente possível, a longa ponte que cortava o lago no ponto em que mais se estreitava.

A jovem mãe chamou os dois filhos (um menino de cinco e uma menina de sete anos) e os agasalhou com roupas pesadas enquanto explicava que deviam fazer tudo o que ela teria feito, sem questionar.

Ingrid sabia que, diariamente, ao entardecer, um ônibus parava do outro lado da ponte descarregando duas dúzias de passageiros que vinham visitar seus parentes. Os guardas, trancados numa larga guarita posta ao lado de cá da ponte, não se preocupavam com eles, mas controlavam minuciosamente quem ia na direção oposta. Obviamente a mulher não tinha a permissão de passar do outro lado e, para piorar, o seu nome estava, quase seguramente, na posse da polícia secreta.

Saíram de casa que já principiava a escurecer e se esconderam entre uns arbustos até aparecerem os primeiros passageiros oriundos do outro lado da ponte. Ingrid, segurando os filhos um em cada mão, misturou-se a eles e, vagarosamente, começou a recuar. O caçula perguntou: "Mãe, porque a gente anda para trás igual caranguejos?". Ingrid, temendo que alguém tivesse escutado, ficou pasma, mas a filha respondeu prontamente: "Vamos fazer uma surpresa a papai".

Volta e meia os militares controlavam o fluxo das janelas da guarita e, naquele momento, Ingrid invertia prontamente a direção, mas logo recomeçava a caminhar lentamente para trás até que, já fora do grupo, se encontrou sozinha a menos de cem metros da metade da ponte onde uma dupla linha vermelha pintada no asfalto marcava a fronteira com a nação neutral. O instinto lhe dizia de correr, mas a razão sugeria que devia manter o controle dos nervos.

Dando as costas ao posto de controle disse: "Agora, filhos, vamos apressar o mais possível, mas sem correr, e sem olhar para trás". E, enquanto os guardas em sua guarita bem aquecida voltavam a tomar cerveja, satisfeitos por terem cumprido com seu dever, Ingrid e seus filhos desapareciam na névoa do lago alcançando finalmente a liberdade.

Quinze meses depois, terminada a guerra, teriam reabraçado Paul.

NOTAS: Conto inspirado num fato verídico.

Richard Foxe
Enviado por Richard Foxe em 14/02/2021
Código do texto: T7184263
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