RESENHA DE UMA OBRA INACABADA

O romance inédito e inacabado - FRACASSO -, que, por vias oblíquas, chegou às nossas mãos, é firmado apenas com as iniciais AR.  Desconhecemos detalhes da sua feitura, ignoramos se a morte do autor interrompeu a obra ou se era mesmo seu escopo deixá-la inconclusa. Não obstante, pelas suas múltiplas qualidades, mereceria ir ao prelo. 

Linear, minimalista nas descrições, sem adjetivação, prende mesmo o leitor menos atento desde o primeiro parágrafo pelo tom singelo da narrativa em tom coloquial, com uso de discurso livre indireto, monólogo interior e, mormente, fluxo de consciência.

Narrado em primeira pessoa, o protagonista, um anti herói lhano, sem nome ou descrição, provável alter ego do autor, conta-nos suas desilusões, derrotas e perdas durante décadas de uma vida insípida numa metrópole não nominada, nas últimas décadas do milênio passado. Tudo filtrado por uma visão curiosa e inquieta que é revelada menos por suas ações do que por seu ensimesmamento, não isento de uma ironia comicamente mordaz de quem é cético, no mínimo, em relação à bonomia humana.

Capítulos inacabados, outros apenas esboçados e alguns só titulados se alternam no relato do cotidiano melancólico e insosso de um cidadão pobre em mais de um sentido.

Se solidão, desencontros, pequenas tragédias prosaicas, são moeda corrente na prosa de ficção, neste romance, chamemo-lo assim, o fracasso da condição humana no seu sentido lato raramente foi tão bem inventariado.

Derrotas, assim como tragédias, mesmo quando coletivas são sempre pessoais, ou assim sentidas. Algumas das melhores histórias, desde Édipo Rei, ao menos, são sobre fracassos. A exemplo de Dom Quixote e dos protagonistas Kafkianos, o herói - ou anti herói - não é trágico apenas pelo seu destino final, mas, mormente, pela cegueira de suas ações e motivações. Aqui não é diferente, e o personagem parece seguir um roteiro pré estabelecido, embora, aparentemente, seja o senhor de suas escolhas ... ou da falta delas.

Abaixo o último parágrafo:

"De formas diferentes cometemos sempre os mesmos erros. Se no balanço final de minha vida fiquei em débito, um 'contabilista' de destinos, se existisse, haveria de calcular, piedoso, o acaso, o impensado, as fraquezas venais; e, passado algum tempo, um 'auditor', se houvesse, revisando, condoído, esse mesmo balanço, com os créditos devidos, talvez recomendasse com ressalvas sua aprovação."